quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Flores de uma Pétala

Em uma manhã ensolarada, a planície coberta de margaridas brancas é visitada pelo primo vento. Ele suavemente as acaricia, um afeto rotineiro. De todas as flores, uma pétala decide viajar com o seu primo. Ela se despede de suas irmãs e sai a voar pelo céu azul. Voltaria no pôr-do-sol.

Viaja pelo bosque do parque, e, ao longe, vê um tipo de floresta que nunca antes havia visto. Era um selva toda feita de pedra, de concreto. Nem por isso a pétala via alguma coisa diferente naquele novo cenário.

Dá um rasante perto de suas amigas folhas. Todas sempre tão iguais, mas sempre animadas!

Acaba o bosque e ela se vê em meio aos prédios. Eles não falavam com ela. Eram frios, faltava alguma vida neles. Mas nem por isso a pétala se desanimou. Cumprimentou todos que viu.

Foi quando seu primo vento a deixa cair na calçada. Logo ele volta, ela sabe. Até ele voltar, ela vai ter que se contentar com observar o mundo ao seu redor. Aí uma cena a atrai. Uma menina de cabelos dourados dá tchau para sua mãe e caminha pela calçada de forma calma e singela.

Nisso, o primo vento volta! E ela faz um pedido a ele. Pediu para ele seguir aquela menina que havia observado. E então levanta vôo.

Calma e suavemente, encontra seu espaço no ombro da menina. Podia sentir seu cabelo quentinho com o sol. Decidiu ficar um pouco mais.

Logo a menina chega em um lugar estranho. Tinha muito mais pessoa naquele lugar. Logo bate um sinal forte e estridente e a menina começa se mexer de novo.

Está numa sala fechada, agora. A pétala se aquieta em um canto perto da janela onde a menina senta. Agora pode contemplar a face na menina melhor. Era bonita, mas mais que isso, abria um sorriso que deixava a pétala com toda a certeza de que seguia alguém feliz.

O dia passa e a pétala sabe que não achou apenas uma menina. Ela achou uma flor. A pétala já havia ouvido falar de pessoas assim. Sabia como o humano não era um ser feliz, que era um ser que precisava constantemente de algo mais, mas aquela menina não precisava de mais nada. E se tratando de flores, aquela era muito bonita. Não poderia ser comparada a uma rosa, já que por mais que seja bonita, essa menina não tinha espinhos. Ela estava mais pra um lírio.

Quando menos espera, o sinal toca novamente e todos se levantam e tentam sair, às pressas, pela única saída da sala. Mas a menina fica. Quando todos se foram ela se vira pra pétala e sorri. Era definitivamente radiante.

- Eu sei que você estava me observando!

A pétala tenta responder, mas não entende o que ela fala. A menina delicadamente junta a pétala e a analisa perto de seu rosto. Então, abre a janela e a assopra para então o primo vento a agarrar mais uma vez. A última cena que a pétala vê é a menina abanando para ela. Mal conhece a menina, mas ela era a sua flor.

E enquanto o sol se põe, ela consegue voltar para seu campo de margaridas, para casa, se distanciando das construções frias. E lá, quando todas a perguntam que aventura a pétala pródiga poderia ter vivido, ela diz:

- Conheci flores. Minhas flores, mas entre as frias sobressalta-se uma. Um lírio radiante, talvez o mais belo que já vi. Gostaria de a ver de novo.

Mal a pétala sabe que o dia de amanhã é domingo. O dia em que a menina vai ao parque para colher flores.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Estrela de Mil Luzes

Noite fria, hoje. No presente momento ele encara o espelho. Não é um espelho qualquer, é um espelho quebrado. Pequenos mil pedaços estavam devidamente encaixados, dando uma forma oval àquele que antes fora inteiro. Mas ele não refletia uma única imagem. Cada pedaço relfetia uma imagem diferente dele. Algumas do passado, outras do futuro. Todas, de certa forma, feias e desfiguradas. Nem todas dele, mas todas relevantes. Era um cosmos que se abraçava em um gentil, sutil enlace.

Há 10 anos atrás, ele se vê numa sala de aula. Uma garota, bonita até, deixa cair sua caneta. Ele gentilmente a junta do chão e a dá em sua mão. Ela começa a gostar dele. Eles conversam, mas um dia ela precisa se mudar e não mais se falam. Daqui a 60 anos, ela morre, casada, mas com aquele doce menino em sua mente.

A luz em si, se propaga em todas as direções a tal velocidade. Uma estrela que vemos, não está exatamente lá pois a luz que ela emite demora minutos para chegar em nossos olhos. É é assim que a estrela vive. Vive sabendo que tudo o que veremos dela é como ela foi e jamais como ela é. Era assim que ele se sentia em frente àquele espelho. Mil pedaços. Todas as direções.

Quando era pequeno, ele corre pela rua das cidades onde cresceu. Empina uma pipa bem no alto. Se distrai e tromba em um garoto da mesma idade dele. Viram grandes amigos. Daqui a um ano e meio, esse seu amigo vai encontrar a "garota de sua vida". Até lá, essa já vai ter sido a sétima. Essa garota irá conseguir tirar boa parte das coisas desse amigo quando se separarem. Ele não terá mais nada além do fato de poder recorrer ao seu amigo que empinava pipas. E ele não poderá ajudar. Assim, ele perde um amigo.

Uma dança acontece em frente ao espelho. Futuro, passado e presente e ele finalmente percebe a relatividade do tempo. Percebe que o tempo não é uma linha.

Em duas horas, uma amiga vai bater à sua porta. Irá pedir um ombro amigo. Em uma semana, o relacionamento deles evolui. Logo, ele se apaixonará por ela, e ela por ele. É um amor que dura. Infelizmente, no mundo real, o eterno tende a ser finito.

Encarando o espelho, ele se contenta com a sua olhadela no tempo. Ele se senta no sofá, não fala mais nada.

E espera a campainha tocar.

domingo, 12 de setembro de 2010

Mais José

e agora, José?
o dinheiro sumiu
a casa caiu
a empresa faliu
fugiu da vida

e agora, José?
carro novo não dá mais
praia não dá mais
paris não dá mais
vida dá não mais

mais cachaça no copo
mais bêbados no bar
mais chances de esquecer
menos tempo para viver
e agora, José?

e agora, José?
mas não dá mais
mas já está cansado
mas mais não dá
e agora, José?

e agora, José?
agora que a rua já é seu âmago
antes, tinha um relógio no pulso
agora, nada no estômago
E agora, José, mais?


Baseado no poema "José" de Carlos Drummond de Andrade