domingo, 4 de dezembro de 2011

Autofobia

Cíntia estava tendo um dia ruim, em sua maior parte devido ao fato de que o nome dele ainda era Cíntia. Há uma explicação bem simples para isso: a mãe dele sempre quis ter uma menina, e talvez o fato de ter 3 diferentes problemas neurológicos durante a gravidez não tenha ajudado. Vez ou outra, ele usava o nome que seu pai queria pôr: Tiago. Fora registrado como Cíntia porque, apesar de seu pai ter visto o cartório primeiro, sua mãe era muito mais rápida. Ficou Cíntia, então. Cintiago, poucas vezes.

Se dirigiu ao banheiro, tinha que se arrumar para ir trabalhar. Encarou sua própria careca durante alguns minutos e pôs seu chapéu e o chapéu de seu chapéu. Tinha um raro transtorno que o fazia constantemente querer ser 20cm mais alto, um problema que, segundo especulações, ele dividia com o papa. Vestiu sua melhor e única camisa e saiu para o ponto de ônibus.

No outro lado da cidade, como eles disseram, Cíntia acordava pra um dia que seria ruim, não pelo fato de que seu nome era Cíntia, mas que seu marido ainda não era Jake Gyllenhaal. Ela não sabia aonde havia errado, talvez pelo fato de que ela não conseguia largar de sua adolescência da mesma forma que ela a tinha largado há alguns anos atrás. "Perdedor é quem desiste do que quer", ela resmungava pra si mesma, frase que explicava por que 98% das pessoas que gostariam de ter um unicórnio acabam sendo perdedoras. Vestia-se para o trabalho da mesma forma que pessoas que adoram vender imóveis não o fazem. "Onde está meu príncipe? Onde está meu Dom Quixote?" Cíntia provavelmente nunca leu Dom Quixote.

Pôs sua melhor camisa decotada e, ao perceber que pessoas que confiam nas suas próprias capacidades de venda não precisam de decotes, continuou com ela. De forma quixotesca, quando olhou pela janela que revelava um carro preto de vidros fumês, pensou que aquela seria sua aventura, quem sabe aquela famosa quadrilha que andava à solta. Era hora de ir para a parada de ônibus, podia sonhar mais tarde e é importante lembrar que essa última frase talvez resuma algumas vidas.

No ponto de ônibus de Cíntia/Tiago e Cíntia/Cíntia estavam Cíntia/Tiago e Cíntia/Cíntia. Nunca haviam se falado, não iria ser hoje. Talvez ontem. Chega o ônibus. Ao entrarem, o cobrador não resiste e pergunta "está tudo bem, senhor?" Cintiago se sente ofendido. Como ele ousava? Havia anos que pegava sempre aquele ônibus e era sempre o mesmo cobrador, ele já conhecia ele e seus dois chapéus. Certo que algumas vezes o corte de cabelo mudava, a cor da camisa mudava, o sapato mudava, a cor da pele mudava, o nome mudava, mas o cobrador era sempre o mesmo. Como ousava? Ofendido, ele senta na parte de trás do ônibus.

O cobrador não teve nenhum comentário a fazer sobre Cíntia/Cíntia. Ofendida, ela senta na parte de trás do ônibus.

Entram os homens do carro preto. Em uma ato de violência e insurgência, que apavoraria até o mais bravo dos funcionários públicos, pagam o cobrador com uma nota de cem e se vão para o fim do ônibus. "Cíntia?" um dos homens misteriosos dizem. "Sim?" respondem os dois. "Não, o senhor com dois chapéus." Ofendida, ela vai sentar na parte de frente do ônibus. "Precisamos do senhor." E Cíntia/Tiago não podia recusar à proposta que estavam para lhe fazer.

Hoje, Cíntia/Tiago virou papa por ser a pessoa mais apta que os agentes do Vaticano haviam encontrado e Cíntia/Cíntia largou tudo e casou-se com C. D. Andrade, chefe da quadrilha que mal havia entrado na história.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Lua de Papel

Ao pôr-do-sol, no meio do deserto de uma vida, um deserto onde a areia é cinza e o céu é esbranquiçado, um único ser caminha. Um guerreiro maltrapilho, cansado, anda de forma vagarosa até o horizonte, até o limite do mundo.

Ele pára, observa o lugar que deixou pra trás: um fortim. Mais que um fortim: o seu eu. Ele possuia cores, mas nele havia um conflito.

Uma batalha sangrenta, uma luta eterna. Ele se sente mal por ter deixado todos os que contavam com ele pra trás. Sente que não queria sua partida, mas que era necessária. Aventurava-se pelo deserto do preto e do branco, para fugir de sua responsabilidade.

"Tristeza". Não era areia, era tristeza. Invadia suas grevas e seu escarpe, tornava a manopla e o espaldar desconfortável e o elmo, bem, o elmo não havia. Mesmo que houvesse algo que protegesse a cabeça, não seria páreo para a areia cinza.

E assim, ele anda como se não houvesse amanhã, principalmente porque não havia. Atingiu o seu limite, deixou quem conhecia no fortim, e enfim chega ao limite. Ele olha pra baixo, e, no horizonte, no fim do mundo, só há trevas. Cair para a imensidão do nada. O céu continua. Abre os braços e deixa-se cair.

Caindo na escuridão, aos poucos não vê mais nada. E o escuro entra por debaixo de sua pele, cava-se em suas veias, percorre tudo até chegar seu coração. Um fato peculiar sobre as coisas é que nas horas mais sombrias, quando vê-se o absoluto lado negro, qualquer ponto de luz é capaz de furar o véu escuro.

E para aqueles que puderam erguer suas cabeças naquela noite, quando olharam pra escuridão acima e viram o manto estrelado e a lua frágil, entenderam perfeitamente o que eram.

Esperança, a mais fraca em intensidade porém mais persistente em durabilidade, rompe o lacre e faz mais um dia nascer. O guerreiro, agora com um sorriso no rosto, vê ao longe a batalha que deixara e decide mais uma vez travá-la.

E essa é a história dos nossos sóis mentirosos e das nossas luas de papel.

sábado, 18 de junho de 2011

Obres

N:
Meu caro vagabundo
Faça-se um favor
Veja-se moribundo!
Mundo não guarda rancor

P:
Meu amigo rico
Por maior que seja o esplendor
em tua presença, aqui fico
Por menor que seja meu valor

N:
Ó fim
Enfim
Vim
Por fim
Por mim
Pobre querubim
Por que cuidas tão bem de teu jardim?

P:
No fim
O Jardim
Faz parte de mim
Trato-o como trato a mim
E todos ficamos bem assim

N:
Tão insignificante
Tão persistente
Tão Irritante
Tão insolente

P:
Tão ignorante
(Tão agonizante)
Tão arrogante
(Tão humilhante)

N:
Vulgo eu
Que tudo tenho
Tudo que Deus me deu
Tudo que agora detenho

P:
Já tudo que possuo
Vem do suor de meu cenho
Tudo que toco, perpetuo
Beijo a tudo que obtenho

N:
Sou rei
Nobre alma
E erguerei
Com calma
Minha imagem
Imponente
Carceragem
D'uma mente.

P:
Sou ninguém
Pobre coração
De Alguém
Tão bufão
Valor zero
Apenas um mero
Humano esmero

Dinheiro compra fins,
enfins e estopins,
mas não compra dignidade,
e valiosa humanidade

Sou ninguém
Mas tudo que me é preciso
Tenho
Um alguém
Feito pra ser um indeciso
Desenho
Da sombra do tempo
Da corrente de teu olhar
Réles passatempo
Barco de papel ao mar

Tudo que é eu
É tudo que quer ser
Pena não saber
Pena temer
Fugir d'um breu

Me despreza
Me ignora
Mas ainda há alma que reza
Alma que me adora

Te garanto
Posso não ser santo
Posso não saber o quanto
Posso não saber o portanto
Mas porquanto
Sou feliz
Completo, sim
Um aprendiz
Repleto, assim

sábado, 7 de maio de 2011

Professor e Sonata

Janela afora podia-se ver um luar, que dava um tom mais azulado a uma noite que podia muito bem ser escura.

Lá em cima, a lua estava envolta em um véu que a dava um tom misterioso, mas igualmente belo, único.

Seus olhos descem do céu e pairam, agora, sobre o jardim do palácio. Em outros tempos, outras eras, o jardim fora calmo, pacífico. Inspirava um tom de harmonia, um tom de sintonia com a natureza que até os lugares menos desbravados não possuíam. Era uma conexão única, e transmitia sua paz a qualquer um que ali passeasse. Toda e cada vez que o vento por ali passasse, tinha o poder de dar a qualquer alma uma sensação de liberdade.

Outros tempos, outras eras. Eras de reis e rainhas, eras que antecediam revoluções e liberdade.

E o Professor havia visto todas elas.

Mas agora, o jardim que o Professor observava, queimava. Mas o som, a sinfonia que ouvia era outra. As chamas dançavam ao ritmo de uma sonata, música que tomava a sala em que ele mesmo se encontrava. A música e o palácio eram de origens e tempos diferentes, mas isso nunca foi problema. Não para alguém como o Professor.

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Então você quer saber mais sobre o Professor, é? Quantos anos você tem? Não é um pouco nova demais pra isso?

É, perguntas. Muitas perguntas. Podemos começar daqui mesmo.

Dizem que o Professor é aquele que guarda a resposta para muitas perguntas. Dizem que ele está aqui desde o começo. Que ele é o Primeiro. Alguns dizem ser o próprio Criador. Ninguém sabe ao certo.

Ninguém tem um registro certo de como é a aparência dele. Falam que se você olhar muito para os olhos dele, pode ver a curva da História em si.

Mas isso são todos, todos boatos... mas o Professor, o Professor existe. E tudo o que já se sabe, tudo o que o ser humano compreende, ele entende.

Tu não sabe o que você está procurando minha jovem... no que está se metendo. Nem é pela idade. 17, 18, 22 anos, não interessa. Nunca se é velho o suficiente pra poder conversar com o Professor.

Dá pra imaginar? Um ser tão velho quanto chão, guardião de toda a sabedoria humana até o momento?

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A Sonata do Luar continua.

As estrelas infinitas e a mãe lua são os únicos enfeites dignos daquele céu, dignos de acompanhar a melodia.

E ele olha para ela. É a primeira vez em anos que ele consegue olhar fixamente para ela por mais que alguns segundos. Tinha dois tons de castanho no cabelo. Um claro, um escuro. Vestido azul num tom esverdeado. Olhos com duas tonalidades também: azul claro e o azul dos mais profundos mares. Estava descalça.

E ele não sabe o que dizer. Anos e anos tendo apenas pequenas visões dela e ele não sabe o que dizer. Então ele avança. Extende sua mão para tocá-la. Tão tangível, tão próximo...

- Professor, não!

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Era um trem qualquer, desses que vão e vêm, e Andie já estava com a passagem na mão. Tinha em mente a promessa que fizera a sua vó, de encontrar o Professor a qualquer custo.

Alguns meses atrás, a avó de Andie revelara um segredo a sua neta: que numa viagem, dessas que a vida nos leva, ela conheceu um homem singular. Era honesto, apesar de afirmar "viver desde sempre", segundo ela. Contara de suas aventuras, da História como se essa fosse sua companheira. E ela pediu para vê-lo uma última vez, mesmo que fosse agora um velho mentiroso e sonhador.

A avó faleceu sem vê-lo. E Andie, insistente, decidira continuar procurando mesmo que fosse para ele simplesmente ver sua lápide.

Seria muito mais fácil se ele tivesse um nome. A jovem o conhecia apenas por "Professor". E mesmo que isso pareça dar uma certa amplitude a sua busca, já havia visto várias menções a um homem sábio através de histórias dos mais antigos. E haviam pessoas, algumas velhas, algumas jovens, que pareciam saber algo a respeito.

Uma vidente, que confessara mentir muitas vezes, jurou-lhe a verdade e contou tudo o que sabia do Professor. Uma vez, ele já fora objeto de seu fascínio, também.

E Andie agora se encontrava na plataforma de trem, pronta para sair daquela cidade. Rumo: Paris, uma viagem que demoraria algumas horas.

Tinha que admitir pra si mesma, estava na hora de desistir. Um homem que não deixa rastros não seria fácil de encontrar, poderia estar em qualquer canto do globo. Mas sua esperança e seu orgulho não a deixavam. Toda vez que aquele pensamento, já recorrente, passava em sua cabeça, ela dizia pra si mesma "só mais a próxima cidade, daí eu paro!". E quantas últimas cidades já se passaram, Andie?

Decidiu entrar logo.

Na cabine em que entrou, já havia alguém. Era um homem, de aparência jovem. Usava um sorriso. Não um desses que a gente guarda no bolso, mas um daqueles que a gente já veste em casa.

Ele a observou brevemente, com o mesmo sorriso, e voltou seus olhos para a janela. Ela tomou seu lugar à sua frente.

Horas de viagem se passaram sem que ele tirasse os olhos da janela. Parecia ver algo, ou, melhor ainda, querer ver algo. De um modo meio desconfortável, ela decide falar algo.

- Ahm... olá.

Ele tira os olhos da janela e, ainda com aquele sorriso persistente, olhava nos olhos dela.

- Qual seu nome? - perguntou.

- Todo mundo me chama de Andie.

- Olá, Andie! Todo mundo me chama de Professor.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Entropia Caótica Ordenada

Hoje eu fiz uma prova, e decidi contar pra vocês o momento mais importante da prova.

Mas antes, te pergunto: qual o momento mais importante da prova?

O momento que tu recebe e percebe o quão fácil/difícil/impossível será? O momento que você está fazendo a questão e percebe que erro você poderia ter cometido, mas, "ainda bem!", se tocou bem na hora? O momento que tu revisa e já sabe que nota vai tirar?

Não.

O momento mais importante acontece depois que você terminou a prova.

O momento mais importante, sem mais quaisquer delongas ééééééééé: o momento de abrir e fechar a porta, na hora da saída.

"Não acredito que perdi meu tempo/gastei meus olhos pra ler isso".

Aposto que nunca perceberam, mas numa loooonga trajetória de provas, e testes e exames, jamais perceberam o que vocês fazem no ato de abrir e fechar a porta.

Aquele ato, único e singular, pode dizer muitas coisas.

Pode-se medir o quão bem a criatura pensa que fui, com o que ela se importa e et cetera.

Temos do clássico ao novo, ao moderno. Dos sutis aos mais alarmantes.

Há a clássica olhada pro seu amigo, que retribui o olhar e, dependendo do grau de dificuldade da prova, lança um sorriso. Um sorriso sincronizado entre vocês dois. Ambos querem dizer apenas uma coisa: "me ferrei, mas não estou sozinho."

Há também a sutil, mas que nunca me escapa, a clássica "abrir porta, fechar porta, sem olhar pra trás". O sujeito está em outro nível. O sujeito está em um nível a mais. O sujeito passou do limite. Ele sabe o quanto tirou. Ele tem certeza. A única certeza que tem na sua vida foi o resultado dessa prova e pouca coisa importava além disso.

Bater a porta mostra apenas o quanto você se odeia.

Mas, uma das mais discretas, mais sutis é olhar pra quem você se importa. É uma experiência reveladora.

Mas o ponto inteiro disso, como você pode não-notar, é que pequenos detalhes falam alto.

São eles que, de natureza ordenada, mas aparentemente caótica, te influenciam, te movem de algum modo.

Vendedores aplicam uma técnica chamada "pé-na-porta" contigo. Sério.

Exemplo:

- Olá senhor, tudo bem com você?

- Sim, estou bem.

- O que o senhor procura?

Mera trivialidade, pra você. Pra você. Muitos vendedores, principalmente os de carros, são treinados para usa a técnica do "pé-na-porta". Sério, é assim que ela é chamada. Consiste em fazer você responder positivamente uma questão, o que te torna mais suscetível a responder as próximas questões da mesma maneira.

Pequenos detalhes estão escondidos em vários pequenos e discretos pedaços do seu cotidiano. Minúsculos pedaços de caos, que nada mais são que uma forma muito simples de ordem. Simples assim.

Minimalisticamente, simples assim.

E feche a porta ao sair.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Eu odeio... os macacos

Imagine um grão de areia dentro de um espaço milhares de vezes (quiçá mais) maior que o oceano. Esse grão é aonde você se encontra. Esse grão é onde está tudo o que você pensa, ama e valoriza. Isso é o quão insignificante nós somos, como um tudo. Agora imagine que esse grão é habitado por inúmeros micro-seres. 7 bilhões deles, pra ser sincero. E você é apenas mais um deles.

Eu espero que já tenha percebido a metáfora até aqui. É tudo o que somos, nada mais.

"No começo, não havia nada". Até surgir o primeiro ser vivo. O tempo passou e esse ser foi aprendendo a ser mais complexo, percebendo que assim podia concluir seu propósito natural de uma maneira mais fácil, sem gastar determinada quantidade de energia. Esse propósito natural não é nada além de uma grande reação química. Uma molécula que ficou "esperta". E logo, o peixe apareceu. E o sapo, e o jacaré e o passarinho também vieram. Até que surgiu o macaco.

O macaco excedeu todas as expectativas. Ele descobriu o fogo e a roda. Logo ele foi construindo algo melhor pra si. Ele descobriu que aquelas sementinhas que ficavam das frutas, quando jogadas no chão, elas cresciam. E o macaco viu que não havia mais motivo pra andar por aí, ele podia ficar no lugar que ele achasse mais confortável.

O macaco viu que se ele tivesse que ficar sempre no mesmo lugar por motivos de comodidade, ele teria que se defender e se proteger. O macaco que sabia fazer isso melhor era visto como líder. Pra se defender, ele pegou aquilo que o machucava e procurou um jeito de usar contra o inimigo. Aprendeu que o inimigo muitas vezes era comestível. Contra as tempestades, percebeu que se ficasse debaixo de pedras, ele não se molhava; e que se ficasse entre elas, o vento não passava; e tão logo surgiu a primeira moradia rudimentar.

Explicações começaram a ser pedidas, e logo os macacos, sem saber explicar disseram que uma força maior fazia chover. Que uma força maior fazia o dia e a noite. Que eram deuses e que deviam ser respeitados, caso contrário a chuva seria muito forte, e os dias muito quentes e as noites muito escuras.

Até que um dia, os macacos foram abalados por uma descoberta: havia outros macacos. Outros macacos que não acreditavam nos mesmos deuses que os deles, e isso poderia causar maiores tempestades e ninguém queria isso. O macaco olhou para seu instrumento de proteção e pensou: "eu posso usar isso para matar os outros macacos".

E então começou a expansão e a dominação dos macacos. E perceberam que havia muitos, mas muitos outros. Logo ele descobriu o bronze. Viu o que podia ser feito com ele e pensou "eu posso usar isso para matar os outros macacos".

Eles eram organizados agora. Eles eram pensantes. Mas ainda assim matavam os outros macacos.

Com o tempo, os macacos perceberam que não havia motivos em culpar vários deuses para o que acontecia se ele podia culpar apenas um absoluto. Era mais fácil servir a apenas um.

O macaco descobriu outra espécie de macaco, mas essa ele não dizimou. Não dizimou porque essa espécie havia criado a pólvora. E quando viu para o que a pólvora podia fazer, ele pensou: "eu posso usar isso para matar os outros macacos".

E os macacos avançaram através dos mares, e o que os motivava não era mais um deus: eram eles mesmos. Mas eles não sabiam disso, e há quem especule que até hoje eles não saibam.

Descobriu a física, a alavanca, a roldana, e inventou modos de por aquilo em prática. E então surgiu a máquina. E viram que podiam fazer máquinas para tudo.

Eventualmente, os macacos perceberam que os outros macacos tinham mais pedras brilhantes e mais máquinas também. Esperaram qualquer pretexto pra se matar, já que agora eram "civilizados" e não podiam sair por aí matando por causa de leis que eles mesmos criaram. Viram que se matar um pouco não era o suficiente, e logo começaram uma segunda guerra. Durante ela, descobriram como dividir o átomo e pensaram: "eu posso usar isso para matar os outros macacos".

Após isso, os macacos se viram imersos num progresso contínuo.

Hoje, os macacos vivem suas vidas comuns.

Os macacos têm necessidades básicas: eles precisam comer, eles precisam dormir e eles precisam amar. Eles precisam praticar suas emoções. Mas o macaco só pensa em si, e na sua busca por comida, sono e amor ele acaba ferindo outros macacos, sem saber. Os macacos fazem doer a quem pode doer. Fingem amar a quem pode amar. Eles sabem que sentimentos são perturbadores, que não geram coisas boas, mas eles têm mesmo assim. Em que ponto da história foram inventados os sentimentos? Os macacos não sabem.

O segundo sentimento mais falado que o amor é o medo. Medo de tudo, eles dizem. Mas o que eles têm medo mesmo é de morrer. Eles têm medo do desconhecido. Eles têm medo que a reação química elementar faça-se encerrar a parte deles, e procuram saídas pra isso. Mal sabem eles, coitados, que são só matéria orgânica. Talvez eles estejam num lugar melhor agora, mas aqui nesse universo, eles são só matéria orgânica em decomposição.

E é o amor e o medo que fazem os macacos continuarem, dia após dia. Não me pergunte o que acontece com aqueles que não têm ambos, porque eu ainda não sei responder. Mas nós estamos trabalhando na resposta, juro.

É o que faz eles continuarem, mesmo sabendo que são apenas um grão de areia no oceano.

Essa é a história do macaco. Como termina? A gente ainda não sabe. Alguns dizem que um macaco vai vir pra levar eles pra um lugar melhor, outros dizem que nunca vai terminar. Mas e se terminar? O livro dos macacos se fecha, e quem sabe outro ser vivo possa ser mais inteligente que o macaco e perceber que se matar não é uma boa ideia... e isso será outra história. E essa história termina? Talvez termine, mas outra vai começar, porque as histórias nunca terminam.

A não ser esse texto. Esse texto termina.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Anticidadão Dois

Para todos que vissem tudo a alguns metros do chão, o que podia-se ver era uma bela metrópole. As construções não mantinham o aspecto sujo do cinza, mas a simplicidade e beleza do branco. O pôr-do-sol pintava um laranja suave em tudo o que tocava.

Lá embaixo, nas ruas, a revolução havia começado.

A derrubada da autocracia, a derrocada da tirania. Um curto império que sucumbia ao povo.

Antes uniformizados, todos deram um jeito. Da vestimenta puramente branca, alguns usaram-se de tinta vermelha para pintar um "A" em seus peitos, em suas costas, em suas faces.

Adam não. Adam King não precisava. Havia tirado a camisa, e em suas costas, uma enorme representação do símbolo pairava, feito em sua pele, esculpido em seu corpo, perto do ferimento de uma bala. Estava acompanhado de mais umas quatro pessoas. O fogo supressivo da Guarda pela Ordem da Cidade mantinha os cinco parados e inertes.

Os Guardas, com suas armas melhores e seus trajes mais robustos mantinham facilmente eles em posição enquanto avançavam a certo passo.

Mas Adam não queria morrer. Ele tinha ela em mente. "É sempre por uma 'ela' que acontecem as maiores idiotices", a própria havia dito isso pra ele. Ele fechou os olhos e esperou o inevitável acontecer.

Cessar fogo. Foi o que todos ouviram.

O Capitão da Guarda, no auge dos seus cinquenta anos, abriu caminho por entre o pequeno grupo e dirigiu a palavra aos cinco que estavam sob cobertura. Tantos outros manifestantes em tantos outros lugares, e o Capitão Louis veio logo ao encontro deles.

Adam sabia que era por causa dele. Era por causa do pacote que tinha que entregar na prisão. Era um recado simples. Era uma sequência de três números.

- Adam. - disse a voz grave.

Já ouviu uma breve história do Capitão, antes. Sobre sua infância.

Cautelosamente andando, Adam caminhava até o revólver que o Capitão da Guarda havia chutado até poucos metros daquilo que garantia a segurança do revolucionário.

- Eu soube que és rápido, King.

Pistoleiro contra pistoleiro, o cenário se desmonta.

- Se viver, meus homens aqui presentes te acompanharão até a prisão e lhe garatirão segurança e discrição até lá. Se viver, é claro.

King, o pistoleiro, olhou para os olhos de seu oponente. Eram olhos piedosos, honestos. Eram olhos claro que diziam qual seria o resultado daquele confronto. O Capitão já sabia o que iria acontecer. Sabia que ia ter o que queria.

Um guarda se posicionou para dar o tiro que faria com que o fim começasse.

Ambos se prepararam. O dedos de Adam coçavam, acariciavam o ar em torno do revólver.

BANG!

Bang.

O cenário volta à metrópole.

Sentiu as pernas fracas, se ajoelhou. Levou a mão ao peito. Olhou para a face de seu oponente e, silenciosamente, agradeceu.

Adam ergueu a cabeça e observou a cidade que havia ficado quieta para ouvir aquele tiro. Não ouvia mais nada. O Capitão agora fechou seus olhos e se deitou no chão. Se virou para olhar pro céu.

Se perguntou o que havia acontecido em tão pouco tempo. Era um paraíso anárquico e tecnológico, que logo virou uma tirania absolutista com a chegada de um homem e sua ambição. Ambição que corrompeu e destruiu os pilares daquela sociedade tão utopicamente real que era quase impossível de se acreditar. Não estava de acordo com aquilo. Viu que a coisa mais importante que fez em vida foi morrer ali. E percebeu como isso era bom.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Robô


Não fazer "arte"

Ser um(a) bom(oa) menino(a)

Comer a salada

Respeitar os pais e os mais velhos

Estudar

Acreditar em Deus

Não comer porcarias

Não fumar

Tirar boa notas

Ter bons amigos

Arranjar namorado(a)

Estudar pra entrar na faculdade

Estudar mais

Se formar

Ter um bom emprego

Casar

Ter filhos

Ter uma vida saudável

Se aposentar

Ver os netos crescerem

Morrer, deitado em alguma cama.

---

Essa é a sua ideia de vida? Repita depois de mim: FODA-SE.

Você não é sua "arte", não é o quão "bom menino" foi, não é a salada que você come, não é o respeito que você tem pelos outros, não é seus estudos, não é sua crença, não é o que você come, não é as drogas que consome, não é os seus resultados, não é suas companhias, não é quem você ama, não é o que você gosta de fazer, não é quanto você faz isso, não é seu diploma, não é seu emprego, não é seu cônjuge, não é sua prole, não é sua vidinha medíocre e saudável, não é sua aposentadoria, não é seus descendentes, não é sua morte que é só mais uma no mundo.

Você não é pré-programado pelo mundo a sua volta.

Você não é um robô.

Você é livre.

Resultados da pesquisa

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Ele te quer burro!



"OMG, quem é ele?"

Relaxa, cara. Tu conhece ele. É ninguém menos que o Mundo!

Não se engane!

Enquanto você está no seu quarto, twittando sobre o que você comeu a 7 minutos atrás, e achando que o Mundo te deve uma vida decente (ele não te deve nada, 'tava aqui bem antes de tu chegar!); o Mundo brinca contigo. Te usa pra te pôr de volta no teu canto no fim do dia. Mas ele só te usa com um única condição: que "voismeciê" seja burro.

Você provavelmente já ouviu a frase "no mundo capitalista de hoje em dia...". Se duvidar, já até usou em redação. Mas já parou pra pensar nessa frase? Perguntinha fora do contexto: já sequer parou pra pensar?

O Mundo hoje em dia é capitalista. E se algo existe e é amplamente divulgado sem ser ridicularizado ou banalizado, você pode ter uma certeza: esse algo dá dinheiro. Comunismo dá dinheiro, por exemplo, caso contrário camisetas do Che não seriam vendidas a 20 reais pelo Renner.

A sua pessoa, para o Mundo, nada mais é que uma forma de manter as coisas no seu duvido lugar. Você é uma engrenagem, és essencial, mas não especial.

E aqui vai a "cherry on the top", o "coup de grâce": pra te manter sob controle, você precisa ser burro.

Eu vou te dar o maior dos exemplos: China.

Um lugar do mundo cujas regras impostas pelos adultos nas crianças são as mais severas é a China. De fato, uma criança normalmente estuda 8 horas FORA da sala de aula lá. E nas férias os pais pagam professores particulares para as crianças não perderem o hábito de estudar.

Resultado: crianças crescem sem muitos amigos, sem muita brincadeira, mas o mais importante: sem aprender a pensar. A educação da China é uma fábrica em massa de zumbis, de "escravos do sistema" cuja única razão na vida é exercer sua profissão. PIB? Enorme. Qualidade de vida? Nem tanto.

Mas agora compare esse método de criação de "burros em massa" com o governo da própria China. Seria interessante se essas pessoas fossem inteligentes? Talvez.

Só talvez, né?

Não é apenas interessante que você aprenda a pensar. É interessante PARA VOCÊ, para o seu ser.

Gostaria de encerrar esse texto com um pequeno apelo:

Toda vez que você se ver ao lado da maioria, está na hora de parar qualquer coisa que estiver fazendo e reexaminar seus conceitos.

Fiquem espertos, pessoal. Só digo isso.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Eu odeio... o Che

Alguns seres humanos têm uma qualidade única que muitos chamam de "capacidade de reconhecer valores".

Óbvio que nem todos possuem essa habilidade. São raríssimas as pessoas que sabem por na balança, sabem o que perdoar, sabem medir os atos bons e os ruins.

Eu provavelmente não sou uma dessas pessoas.

Por isso já digo de cara: "eu odeio... tal coisa". O meu ódio não é um ódio vil e repugnante, é um ódio no estilo de "preferir não pensar". Um ódio com sentido de indiferença.

Eu odeio, por exemplo, o Che.

Pros capitalistas de plantão, Che era um vilão. Ser vil e comunista (ambos são sinônimos, certo amiguinhos capitalistas?) que passava o tempo todo fumando um charuto cubano com seu amigo de fé, o Fidel Castro, Fidelito para os íntimos.

Pros comunistas de plantão, Che era um herói. Lutou pela causa comunista, pela igualdade, tanto com palavras, com dizeres, quanto com armas. Realizou uma das últimas parte da Revolução Vermelha, a Revolução Cubana, e deixou os Estados Unidos de saia justa no meio de uma guerra fria.

Pra mim, Che era um homem. Não se pode transformar pessoas em heróis nem vilões quando o assunto é história. Che foi um pensador, um homem que sabia pra que havia vindo ao mundo. Ele é um símbolo, não apenas da causa comunista, mas da causa ideal. Viveu (e morreu) por ideais, se ateve a suas convicções.

Gostaria que os capitalistas não esquecessem o homem que Che era. Nem que os comunistas esqueçam a tentativa frustrada de exportação da revolução de Che, que mostra que Che era contra a liberdade individual sem falar que era racista. Não lembra dessa última? Che tentou pregar o modelo da revolução cubana no Congo, e participou de um plano para assassinar o líder do movimento libertário do Congo com sua própria tropa de mercenários brancos, porque não queria usar as forças pró-comunistas locais.

Mas era Guerra Fria. Esqueça isso. Siga a diante.

O mundo, pelo menos, seguiu.