domingo, 4 de dezembro de 2011

Autofobia

Cíntia estava tendo um dia ruim, em sua maior parte devido ao fato de que o nome dele ainda era Cíntia. Há uma explicação bem simples para isso: a mãe dele sempre quis ter uma menina, e talvez o fato de ter 3 diferentes problemas neurológicos durante a gravidez não tenha ajudado. Vez ou outra, ele usava o nome que seu pai queria pôr: Tiago. Fora registrado como Cíntia porque, apesar de seu pai ter visto o cartório primeiro, sua mãe era muito mais rápida. Ficou Cíntia, então. Cintiago, poucas vezes.

Se dirigiu ao banheiro, tinha que se arrumar para ir trabalhar. Encarou sua própria careca durante alguns minutos e pôs seu chapéu e o chapéu de seu chapéu. Tinha um raro transtorno que o fazia constantemente querer ser 20cm mais alto, um problema que, segundo especulações, ele dividia com o papa. Vestiu sua melhor e única camisa e saiu para o ponto de ônibus.

No outro lado da cidade, como eles disseram, Cíntia acordava pra um dia que seria ruim, não pelo fato de que seu nome era Cíntia, mas que seu marido ainda não era Jake Gyllenhaal. Ela não sabia aonde havia errado, talvez pelo fato de que ela não conseguia largar de sua adolescência da mesma forma que ela a tinha largado há alguns anos atrás. "Perdedor é quem desiste do que quer", ela resmungava pra si mesma, frase que explicava por que 98% das pessoas que gostariam de ter um unicórnio acabam sendo perdedoras. Vestia-se para o trabalho da mesma forma que pessoas que adoram vender imóveis não o fazem. "Onde está meu príncipe? Onde está meu Dom Quixote?" Cíntia provavelmente nunca leu Dom Quixote.

Pôs sua melhor camisa decotada e, ao perceber que pessoas que confiam nas suas próprias capacidades de venda não precisam de decotes, continuou com ela. De forma quixotesca, quando olhou pela janela que revelava um carro preto de vidros fumês, pensou que aquela seria sua aventura, quem sabe aquela famosa quadrilha que andava à solta. Era hora de ir para a parada de ônibus, podia sonhar mais tarde e é importante lembrar que essa última frase talvez resuma algumas vidas.

No ponto de ônibus de Cíntia/Tiago e Cíntia/Cíntia estavam Cíntia/Tiago e Cíntia/Cíntia. Nunca haviam se falado, não iria ser hoje. Talvez ontem. Chega o ônibus. Ao entrarem, o cobrador não resiste e pergunta "está tudo bem, senhor?" Cintiago se sente ofendido. Como ele ousava? Havia anos que pegava sempre aquele ônibus e era sempre o mesmo cobrador, ele já conhecia ele e seus dois chapéus. Certo que algumas vezes o corte de cabelo mudava, a cor da camisa mudava, o sapato mudava, a cor da pele mudava, o nome mudava, mas o cobrador era sempre o mesmo. Como ousava? Ofendido, ele senta na parte de trás do ônibus.

O cobrador não teve nenhum comentário a fazer sobre Cíntia/Cíntia. Ofendida, ela senta na parte de trás do ônibus.

Entram os homens do carro preto. Em uma ato de violência e insurgência, que apavoraria até o mais bravo dos funcionários públicos, pagam o cobrador com uma nota de cem e se vão para o fim do ônibus. "Cíntia?" um dos homens misteriosos dizem. "Sim?" respondem os dois. "Não, o senhor com dois chapéus." Ofendida, ela vai sentar na parte de frente do ônibus. "Precisamos do senhor." E Cíntia/Tiago não podia recusar à proposta que estavam para lhe fazer.

Hoje, Cíntia/Tiago virou papa por ser a pessoa mais apta que os agentes do Vaticano haviam encontrado e Cíntia/Cíntia largou tudo e casou-se com C. D. Andrade, chefe da quadrilha que mal havia entrado na história.

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