quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Cerco na Cidade

Lady e eu andávamos vagorasamente pelas ruas que um dia chamamos de casa. Ela estava agarrada em meu braço e com sua cabeça levemente apoiada em meu ombro. Fazia frio e a chuva havia caído o dia inteiro.

Era uma noite fria, de ruas molhadas, de esperanças retidas e sonhos inacabados. Era uma noite perfeita para um passeio.

Andávamos através das ruas iluminadas, havia mais pessoas andando. A cidade nunca parava. Avistamos restaurantes vinte e quatro horas, prostitutas oferecendo amores internacionais, vendedores que se faziam incansáveis, teatros ainda abertos e uma multidão.

Uma multidão? Um espetáculo. O circo estava na cidade. Abrimos espaço por entre a multidão.

Era uma roda que se fechava. No meio estavam os palhaços, faziam malabares com frutas, com pinos, com objetos, com armas. Ao redor estavam os palhaços mais sérios. "Palhaço sério?" Apontavam seus malabares para os outros palhaços. Entretiam a plateia de formas que os restaurantes, as prostitutas, os vendedores e os teatros não podiam. Os agarravam pela curiosidade, pela excentricidade, pelo fora do comum. Pela expectativa de que alguma coisa aconteceria.

Pacata pacaticidade, pacata cidade. Vivíamos a nossa vida como todos a vivem, na vã esperança de que algo acontecesse. De que o estranho inusitado nos atirasse uma escada pra que saíssemos do buraco em que havíamos nos metido quando nascemos. E por isso se montavam os espetáculos. O circo estava na cidade. O circo sempre anima nossas vidas.

A situação se resolveu, agora os palhaços estavam aos pares, cada sério com um outro não-sério. Se dirigiam às diligências e assim deixariam-nos mais uma vez a vagar pelo mundo, um dia seremos entretidos desse jeito, desse mesmo jeito talvez.

"Ainda bem que acabou bem, não?" Não, o circo não devia acabar assim. O circo sequer devia acabar. Pra sempre deveria encantar nossas vidas de formas que não imaginássemos, pra sempre deveria estar ali por nós, nos apoiando sempre.

"Nada mais pra ver aqui!" Sim, senhor. Vamos pra casa então.

Dia incomum. Lady segurou meu braço mais forte e voltamos pra casa.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Cavalo Branco

- Já faz alguns anos que não ouço falar dos Galeazzo.

De fato. Voltaram a serem mencionados agora, há pouco tempo. Costumava ser uma Família grande mas era necessário que ela saísse do caminho, entende? Garçonete? Garçonete! Traz mais um xícara de café, por favor?

- Pra mim também, por gentileza.

Enfim, o que eu estava dizendo... ah, lembrei, lembrei. O que aconteceu com os Valenzzetti's foi realmente uma infelicidade... e um aviso. Digo, como é possível uma única pessoa fazer aquilo? Nós ouvimos histórias nesse ramo, é verdade, mas nunca ouvi nada igual. Algo está a solta. Nem na época de ouro das famílias, há uns 60, ou 70 anos atrás. Ah, o café! Obrigado, garçonete. Açúcar, tem?

- Também gostaria.

Infortúnios, Carlo, infortúnios. Em pensar que a única prova que ligava coisa com coisa naquela casa foi deixada pelo homem que cometou aquele massacre. "Galeazzo's voltaram". Pode acreditar nisso?

- Eu não sabia que havia sobrado alguém pra sequer lembrar esse sobrenome, senhor.

Cá entre nós, existe uma pessoa sim. Lembra-se daquele dia, há uns 20 anos atrás? Você era nascido naquela época? Era, não? Enfim...

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A casa de bonecas ocupava boa parte do quarto. Era uma representação em miniatura da casa onde moravam. Lá estava Agatha-Boneca, Papai-Boneco e Mamãe-Boneca. As outras pessoas que moravam junto eram bonequinhos improvisados. Agatha era a Rainha-da-Casa-de-Bonecas. Naquela casa, podia haver final feliz todo o dia.

Conquistadora do mundo de 10 centímetros, era Agatha.

Naquela noite, o mundo que não era de Agatha não veria um final feliz.

Tumulto na casa. Barulhos altos, ensurdecedores para Agatha. Mamãe entra no quarto, desesperada, chorando. "Esconda-se debaixo da cama, filha, esconda-se!"

E o tempo passa. 5 minutos se alonga a algumas eternidades. Mamãe, que havia saído do quarto, volta. Tenta não fazer barulho. Vai tirar ela de lá! Vamos, Mamãe, vamos!

Homem alto pára na frente da porta, Mamãe se vira antes que Agatha possa sair debaixo da cama.

Agatha fecha os olhos. Escuro. Barulhos estridentes, disparos, gritos. Corpo que cai sobre a casa de bonecas. Agatha abre os olhos, chorando, mas consegue ver o homem que atirou em sua mãe. Ele a poupa. Ela não.

Por que o mundo não pode ser como Agatha quer? Por que não podia ser como na casa de bonecas que todo dia tinha final feliz? O mundo devia ter. Para Agatha, sim. Ser a conquistadora do mundo de 10 centímetros não mudava o mundo lá fora.

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Essa é a história. Até onde eu saiba, única alma viva a sair daquela casa, naquele dia. É duro pra uma criança, mas a vida é dura.

- Que triste. Mas acho que faz parte do trabalho, certo?

Certo. Vamos encontrar o rato que fez aquilo com os Valenzzetti's, lhe garanto. Bebemos o café agora, vai esfriar.

- Chefe, curiosidade. Era você o cara da história?

Hehe... coração mole todo mundo tem, Carlo. Mas nesse ramo não se pode deixar mostrar.

- ...

Carlo? Garçonete?

- No fim das contas, senhor, todo mundo ganha o que pede, de certa forma. Você pediu café e teve. Flertara tantas vezes com a morte que finalmente a encontrou. Todo mundo se arrepende, ao meu ver. A vida não passa de uma grande casa de bonecas. Eu diminui a concentração no seu café para que todas as etapas do envenenamento possam ser vividas. Esperei muito tempo por isso. No fim das contas, nada passa de uma grande casa de bonecas. Todos somos manipulados e postos de lado no fim do dia. A diferença é que eu quero ser a que manipula. Mas não me entenda mal. Eu só quero dar um final feliz pra todo mundo. Afinal, os Galeazzo's voltaram.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Entes Queridos




Ao meu redor, escuridão se junta,
Sumindo está o sol que brilhava;
Nós devemos falar de outros assuntos:
Você pode ser eu quando eu me for
Flores juntas na manhã,
À tarde, desabrocham;
Ainda assim, estão murchas à noite:
Você pode ser eu quando eu me for

Sandman: Entes Queridos

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Cidade de Dois Carvalhos

Dois seres daquela cidade tinham seus destinos cruzados.

Quando criança, Carvalho cresceu numa propriedade numa parte mais rural da cidade. Tinha boas memórias dos tempos em que podia passar o dia brincando nos vastos campos ensolarados, ou pulando poças d'água na estrada que ficava na frente de casa. Mas as melhores memórias ele dividia com outro Carvalho. Esse último, erguia-se altivo e magnificiente perto da casa do primeiro. O pequeno Carvalho lembrava-se dos tempos que passara pulando, correndo em volta do grande Carvalho.

Vivia sempre com a cabeça nas nuvens. Falava sozinho, com coisas e pessoas que não existiam. Falava comigo, às vezes.

Agora, o Carvalho estava na cidade. Sereno e calmo como sempre foi.

Caminhava de forma descompassada, arritmada. Corria, pulava, cortava caminho entre a multidão da mesma forma como fizera em algum momento de sua vida.

Chegou, deu oi pra recepcionista, elevador. Esperou, ainda com a perna dando pequenas batidas de inquietação no chão. Entrou, finalmente. Recuperou o fôlego. Nesse andar, entra o chefe, que o fará companhia até o décimo sexto andar.

- Relatório pra amanhã, né, Carvalho?

Bons tempos de criança em que podiamos brincar sem nos preocuparmos com relatório algum, certo?

- Certo.

Dito isso, sairam do elevador e Carvalho se encaminhou ao seu cubículo. Encontrara seu amigo, vizinho de cubículo, no meio do caminho.

- Pareca cansado, Carvalho. Vai uma aguinha aí?

Todo carvalho, por maior que seja, precisa de água. Isso inclui você. Vai aceitar esse copo d'água ou não?

- Sim, eu aceito sim.

- Grande Carvalho, sempre na correria, sempre firme e forte na luta! Já nos vemos cara, pode ficar com o copo. Eu tava indo logo ali no almoxarifado buscar algumas coisas, pego água na volta. Se bem que nem precisa, né? Com essa chuva forte, agora, se tá com sede é só abrir a boca!

É, é sim. Lá fora cai o mundo. Carvalho se mantém forte, enfrenta as tempestades e mais qualquer desafio que a natureza o faça. Nada pode derrubá-lo, pelo menos é o que ele pensa.

Senta em seu cubículo, faz seu relatório, pensa na vida. Se lembra daqueles tempos de infância, águas passadas que não mais movem moinhos?

- Bons tempos... - falou baixo e com um sorriso em sua face. Mas não importa. O Carvalho não importa. Nada disso importa, mais.

Nada mais importa porque Carvalho foi acertado por um raio, enquanto pensava em possibilidades impossíveis e se erguia forte e imponente perante a uma cidade que não se importa mais com Carvalhos.

domingo, 3 de outubro de 2010

Hurt

I hurt myself today
To see if I still feel

A cidade sempre ocupada estava viva lá fora. Era uma rua suja, com um tráfego incessante. Dos vários pequenos prédios sem graça alguma, um deles estava ocupado por uma figura débil que se deixava atirada em um canto.

I focus on the pain
The only thing that's real

Pouca luz era a que entrava no lugar. Estava tudo muito escuro. Um homem jovem ainda se encontrava no chão, jogado. Tinha um sorriso forçado e lágrimas o percorrendo.

The needle tears a hole
The old familiar sting
Try to kill it all away
But I remember everything

Virava seu rosto incessantemente. Imerso em seus delírios, ele se lembrava da vida que vivera. Lembrava-se de quando o falecido pai tocava violão na frente de casa pra ele, a mãe e a irmã ouvirem. De sua primeira briga, que ganhou. De sua primeira bicicleta, uma companheira que sempre estava com ele por boa parte de sua infância.

What have I become?
My sweetest friend
Everyone I know goes away
In the end


Agora, o tempo avança para sua adolescência. Ele vê pessoas indo embora, coisas indo embora. Sua bicicleta até lhe dá adeus. O pai não toca mais violão, não consegue. Está doente. Após um tempo, ele não resiste.

And you could have it all
My empire of dirt

I will let you down
I will make you hurt

I wear this crown of thorns

Upon my liar's chair

Full of broken thoughts

I cannot repair


Ele se sente incapaz. Mísero miserável e imóvel. Era um pedaço de nada que tentava se impor ao destino, ao tempo. Ele sente que deve se afastar das pessoas. Para não feri-las, para não se ferir. E ele se encontra em outro lugar.


Beneath the stains of time

The feelings disappear
You are someone else
I am still right here

Sua irmã entra e o vê no chão. Corre até ele. Ele ainda está imerso em seus pensamentos. Sorri e chora, lapsos de loucura. Ele a vê, agora. Pede desculpas a ela. Não soube ser tão forte quanto ela. Tinha que encontrar uma saída, qualquer uma. Sentia-e covarde, envergonhado por estar preso a sua sina e não ter escapatória. Ela não merecia isso. Ela havia se tornado uma pessoa madura, competente, capaz. Ele estava no chão.

What have I become?
My sweetest friend
Everyone I know goes away
In the end

And you could have it all
My empire of dirt

I will let you down
I will make you hurt

Ele pede desculpas pra ela. A seringa que antes estava em sua mão rola para longe. Se afasta dele e agora ele só tinha a irmã. Ela chora sobre ele. Lágrimas doces e puras, ao contrário das lamentáveis e sofridas dele. Ele se sente mais fraco.

If I could start again
A million miles away
I would keep myself
I would find a way

Enfim, ele descansa. Uma nova superstição adentrando algo bom e aconchegante. Ele fecha os olhos e deixa um embrace quente e suave. Antes de ir, não esquece de dizer: "desculpas e obrigado", para sua irmã. Ela o abraça forte, soluçando. As poucas forças dele se dissipam. Se ao menos ele pudesse recomeçar, mesmo tendo as mesmas chances, talvez ele se seguraria. Talvez ele conseguisse ser como sua irmã. Mas não é assim que funciona. Ele apaga, de vez.

E sua irmã ainda está o agarrando como se tivesse certeza de que quanto mais chorasse, mais chances ele teria de voltar. Por que perder um irmão assim? Quem merece perder alguém assim? E ainda, quem merece perder alguém? Ela se levanta, chama uma ambulância, entre soluços, e fica parada. Admirando todo o império do irmão, dado pela nem tão gentil seringa.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Flores de uma Pétala

Em uma manhã ensolarada, a planície coberta de margaridas brancas é visitada pelo primo vento. Ele suavemente as acaricia, um afeto rotineiro. De todas as flores, uma pétala decide viajar com o seu primo. Ela se despede de suas irmãs e sai a voar pelo céu azul. Voltaria no pôr-do-sol.

Viaja pelo bosque do parque, e, ao longe, vê um tipo de floresta que nunca antes havia visto. Era um selva toda feita de pedra, de concreto. Nem por isso a pétala via alguma coisa diferente naquele novo cenário.

Dá um rasante perto de suas amigas folhas. Todas sempre tão iguais, mas sempre animadas!

Acaba o bosque e ela se vê em meio aos prédios. Eles não falavam com ela. Eram frios, faltava alguma vida neles. Mas nem por isso a pétala se desanimou. Cumprimentou todos que viu.

Foi quando seu primo vento a deixa cair na calçada. Logo ele volta, ela sabe. Até ele voltar, ela vai ter que se contentar com observar o mundo ao seu redor. Aí uma cena a atrai. Uma menina de cabelos dourados dá tchau para sua mãe e caminha pela calçada de forma calma e singela.

Nisso, o primo vento volta! E ela faz um pedido a ele. Pediu para ele seguir aquela menina que havia observado. E então levanta vôo.

Calma e suavemente, encontra seu espaço no ombro da menina. Podia sentir seu cabelo quentinho com o sol. Decidiu ficar um pouco mais.

Logo a menina chega em um lugar estranho. Tinha muito mais pessoa naquele lugar. Logo bate um sinal forte e estridente e a menina começa se mexer de novo.

Está numa sala fechada, agora. A pétala se aquieta em um canto perto da janela onde a menina senta. Agora pode contemplar a face na menina melhor. Era bonita, mas mais que isso, abria um sorriso que deixava a pétala com toda a certeza de que seguia alguém feliz.

O dia passa e a pétala sabe que não achou apenas uma menina. Ela achou uma flor. A pétala já havia ouvido falar de pessoas assim. Sabia como o humano não era um ser feliz, que era um ser que precisava constantemente de algo mais, mas aquela menina não precisava de mais nada. E se tratando de flores, aquela era muito bonita. Não poderia ser comparada a uma rosa, já que por mais que seja bonita, essa menina não tinha espinhos. Ela estava mais pra um lírio.

Quando menos espera, o sinal toca novamente e todos se levantam e tentam sair, às pressas, pela única saída da sala. Mas a menina fica. Quando todos se foram ela se vira pra pétala e sorri. Era definitivamente radiante.

- Eu sei que você estava me observando!

A pétala tenta responder, mas não entende o que ela fala. A menina delicadamente junta a pétala e a analisa perto de seu rosto. Então, abre a janela e a assopra para então o primo vento a agarrar mais uma vez. A última cena que a pétala vê é a menina abanando para ela. Mal conhece a menina, mas ela era a sua flor.

E enquanto o sol se põe, ela consegue voltar para seu campo de margaridas, para casa, se distanciando das construções frias. E lá, quando todas a perguntam que aventura a pétala pródiga poderia ter vivido, ela diz:

- Conheci flores. Minhas flores, mas entre as frias sobressalta-se uma. Um lírio radiante, talvez o mais belo que já vi. Gostaria de a ver de novo.

Mal a pétala sabe que o dia de amanhã é domingo. O dia em que a menina vai ao parque para colher flores.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Estrela de Mil Luzes

Noite fria, hoje. No presente momento ele encara o espelho. Não é um espelho qualquer, é um espelho quebrado. Pequenos mil pedaços estavam devidamente encaixados, dando uma forma oval àquele que antes fora inteiro. Mas ele não refletia uma única imagem. Cada pedaço relfetia uma imagem diferente dele. Algumas do passado, outras do futuro. Todas, de certa forma, feias e desfiguradas. Nem todas dele, mas todas relevantes. Era um cosmos que se abraçava em um gentil, sutil enlace.

Há 10 anos atrás, ele se vê numa sala de aula. Uma garota, bonita até, deixa cair sua caneta. Ele gentilmente a junta do chão e a dá em sua mão. Ela começa a gostar dele. Eles conversam, mas um dia ela precisa se mudar e não mais se falam. Daqui a 60 anos, ela morre, casada, mas com aquele doce menino em sua mente.

A luz em si, se propaga em todas as direções a tal velocidade. Uma estrela que vemos, não está exatamente lá pois a luz que ela emite demora minutos para chegar em nossos olhos. É é assim que a estrela vive. Vive sabendo que tudo o que veremos dela é como ela foi e jamais como ela é. Era assim que ele se sentia em frente àquele espelho. Mil pedaços. Todas as direções.

Quando era pequeno, ele corre pela rua das cidades onde cresceu. Empina uma pipa bem no alto. Se distrai e tromba em um garoto da mesma idade dele. Viram grandes amigos. Daqui a um ano e meio, esse seu amigo vai encontrar a "garota de sua vida". Até lá, essa já vai ter sido a sétima. Essa garota irá conseguir tirar boa parte das coisas desse amigo quando se separarem. Ele não terá mais nada além do fato de poder recorrer ao seu amigo que empinava pipas. E ele não poderá ajudar. Assim, ele perde um amigo.

Uma dança acontece em frente ao espelho. Futuro, passado e presente e ele finalmente percebe a relatividade do tempo. Percebe que o tempo não é uma linha.

Em duas horas, uma amiga vai bater à sua porta. Irá pedir um ombro amigo. Em uma semana, o relacionamento deles evolui. Logo, ele se apaixonará por ela, e ela por ele. É um amor que dura. Infelizmente, no mundo real, o eterno tende a ser finito.

Encarando o espelho, ele se contenta com a sua olhadela no tempo. Ele se senta no sofá, não fala mais nada.

E espera a campainha tocar.

domingo, 12 de setembro de 2010

Mais José

e agora, José?
o dinheiro sumiu
a casa caiu
a empresa faliu
fugiu da vida

e agora, José?
carro novo não dá mais
praia não dá mais
paris não dá mais
vida dá não mais

mais cachaça no copo
mais bêbados no bar
mais chances de esquecer
menos tempo para viver
e agora, José?

e agora, José?
mas não dá mais
mas já está cansado
mas mais não dá
e agora, José?

e agora, José?
agora que a rua já é seu âmago
antes, tinha um relógio no pulso
agora, nada no estômago
E agora, José, mais?


Baseado no poema "José" de Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A Incrível Dispensabilidade do Ser


Só por que você é essencial não significa que você seja insubstituível, não?



Um post para mim mesmo e muita gente.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Love Me Tender

Ali estava ela no único lugar que ela não sabia direito se deveria estar. Olhava bem para a face dele. Esperava a sua resposta. Os olhos dela não brilhavam e se perguntava o que estava acontecendo com seu corpo. Sentia como se tudo aquilo que foi planejado não estivesse certo. Alguma coisa estava errada. Ela tinha planejado errado? Onde estava o erro? O erro foi não ter errado?

Ela não encontra as respostas, talvez pela primeira ou segunda vez em sua vida. Fala em baixo, mas completamente claro, tom a palavra que ele não queria ouvir.

Entre os espantos da plateia de convidados, ela corre altar abaixo e para fora do lugar.

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Ali estava ele no único lugar que ele não sabia direito se deveria estar. Olhava pro teto e pensava, inquieto. Ela se casaria hoje, não é? Por que haviam terminado mesmo? Estranho como tudo isso parece tão distante agora. Ele gostava dela. Havia dado um pedaço dele à ela e agora estava incompleto. Soubera do casamento a poucos dias, através de uma amiga do ex-casal que eram. Havia aprendido a viver sem um pedaço seu porque havia quase-esquecido dele. Era como um deficiente que tocava sua vida.

Não aguentando mais ficar em casa, se levantou, pôs suas vestes simples e entrou em seu velho carro. Boas memórias vieram com aquele carro. Será que ele se lembra da música que aquele carro tocava quando conheceu ela? Não interessa. Provavelmente lembra, mas não interessa.

Tinha que ir pra praia. Uma praia minúscula e deserta que ninguém frequentava. Curta, mas bonita. Era lá que eles se conheceram e, sem ela sequer saber algum dia, era lá que ele ia toda vez que queria pensar na vida. Era o lugar deles e de ninguém mais.

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Encostado em seu Cadillac rosa antigo, olhava pro sol que aos poucos se escondia para deixar a prima lua se exibir no céu. Não percebeu que ela estava logo ao seu lado. Mas agora eles estavam se encarando, procurando algumas palavras que possivelmente ainda não haviam inventado. "Não ia se casar?", ele indaga. Ela ia, mas não casou. Encontrou seu erro. Sem perceberem, o carro começa a cantar.
Love me tender,
Love me sweet,
Never let me go.
You have made my life complete,
And i love you so.

Eles reconheciam a música. Ah, era aquela música! Devagar, eles se aproximam. Eles estavam completos na presença um do outro.
Love me tender,
Love me true,
All my dreams fulfilled.
For my darlin' i love you,
And i always will.


Era aquele o erro e aquele que era o plano verdadeiro dela. Como ela não podia ver? Era um sonho de tempos atrás. Nunca deu muito valor pros seus sonhos, na verdade. Achava que sonhos não eram reais por não se tratarem de algo palpável. Mal ela sabia até aquele momento que sonhos são reais, mas são feitos de tudo aquilo que ela sentia e pensava.
Love me tender,
Love me long,
Take me to your heart.
For it's there that i belong,
And we'll never part.

Estavam juntos agora. Dançavam vagorasamente e sentiam como se tivessem apenas um coração. Dois corações que haviam sido ligados por um laço que transcende o entendimento humano. Eram mais que amantes, eram amigos que nunca iam deixar de sê-los.
Love me tender,
Love me true,
All my dreams fulfilled.
For my darlin' I love you,
And i always will.
Love me tender,
Love me dear,
Tell me you are mine.
I'll be yours through all the years,
Till the end of time.

Agora a mão dela escorrega pelo peito dele até atingir seu ombro. A dele encosta em sua cintura e eles se olham nos olhos. Liam neles tudo aquilo que não lembravam sobre o tempo que passaram juntos e logo todas as lacunas na mente de ambos foram se completando.

Love me tender,
Love me true,
All my dreams fulfilled.
For my darlin' i love you,
And i always will.

Por fim, após terem dançado, seus rostos se aproximam. Não importava nada além daquele momento. Em pouco tempo, eles selam o eterno, suas silhuetas se tornam uma.

domingo, 8 de agosto de 2010

Como Escrever

Oi. Eu não vou me apresentar porque você sabe quem eu sou.

Mas não sabe o meu atual estado.

Não, não, não, amigo! Eu não estou morto e mandando um mensagem do além túmulo. Um dia eu farei isso, mas esse dia não chegou (ainda). Eu estou cansado, com sono, com dor-de-barriga, enfim: quase-morto! E te digo uma coisa: eu estou no humor perfeito para escrever.

Porém, eu estou no presente momento em Canela. O que me lembra Natal. O que me lembra presentes. O que me lembra solidariedade. Logo, eu me empenhei muito e, com todas e cada fibra minha, até a exaustão total de meu corpo (a ponto de exauri-lo de forças), eu... catei no google algumas dicas de escritores famosos sobre como escrever. Aqui vão as mais interessantes:


1. Encare o computador/caderno/máquina-de-escrever até sua cabeça sangrar.

Essa é a fabulosa dica de Ernest Hemingway, autor de grandes livros como O Velho e o Mar (o único livro que teu pai leu na vida e ele quer porque quer que você leia) e Por Quem os Sinos Dobram (que rendeu uma excelente música do Metallica).

A real é que se você se concentrar e deixar a criatividade fluir, logo, logo terá alguma boa (ou quase boa) ideia para escrever. Funciona, acreditem.

Obs: Não se esforcem a ponto de terem um aneurisma.


2. Se puder apagar sem comprometer o sentido da frase, apague!

Sabe aquela palavrinha inútil que você só pôs pra encher linhas e completar logo as 25 linhas da redação que a sua professora gorda de português/redação insiste em usar pra te avaliar? Poisé, essa regra não se aplica a contos, crônicas e postagens na internet.

A dica vem de George Orwell, o cara que escreveu 1984 e A Revolução dos Bichos.

Note que a maioria das palavras "deletáveis" são advérbios. É claro que você pode usar advérbios, mas não abuse.

Ao invés de escrever: "Velozmente dirigiu-se ao quarto", procure escrever: "Correu para o quarto".


3. Seja você mesmo seu próprio leitor.

Segundo Neil Gaiman, autor de The Sandman, uma das coisas mais importantes é apreciar sua própria obra e ter confiança no que escreve. Leia seu texto como se o lesse pela primeira vez. Ria de suas próprias piadas.

E principalmente: o critique!


4. Se for fazer pesquisa de opinião, faça com quem você sabe que seu texto agradaria.

Mais uma dica do bom Gaiman.

Mostrar seu texto para amigos é uma coisa boa. Mas mostre apenas para aqueles que têm um gosto literário parecido com o seu. Além de serem mais honestos, eles vão saber julgar.

Mas cuidado, segundo o próprio Neil Gaiman, as pessoas lhe dirão que "parece que tem alguma coisa errada". Nesses casos geralmente tem alguma coisa errada, sim. Agora, se a disse exatamente o que está errado, a pessoa está querendo transformar seu texto em algo que ela costuma ler. Nesse caso, ignore o que ela acha ou apenas leve em consideração.


5. Não escreva por que você "tem" que escrever.

Não se sinta obrigado a escrever. Se você quer escrever e não consegue, siga a primeira dica.

Não se algeme à responsabilidade de escrever. E escreva sem estar sobre pressão. Escreva por que gosta. Algumas pessoas simplesmente gostam tanto de escrever que isso vira uma necessidade, o que pode muito bem ser uma coisa boa. O treino leva a perfeição.

Disse Isaac Asimov: "Eu escrevo pelo mesmo motivo que respiro - porque se não o fizesse, eu morreria."

Bom, eu acho que algumas pessoas levam isso a sério demais.


Enfim, era isso. Agora o sono me vence e eu preciso dormir no primeiro canto que eu achar. Espero ter ajudado a algum aspirante a escritor, como eu.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Cavalo Vermelho

A porta se abriu, a venda foi tirada e o menino de 10 anos foi atirado para dentro da sala pelo guerrilheiro.

Recobrando seu equilíbrio, o menino deu uma boa olhada no ambiente. Era um refeitório, e ele devia ser a única criança branca ali. As outras crianças conversavam alto, agitavam o lugar.

Não sabia como, mas saira de sua confortável casa em que vivia junto com a mãe, na União Soviética, para um país da África que ainda lutava suas guerras internas. Todos eram soldados: homens, mulheres e até crianças. Duas facções que disputavam aquele território de ninguém.

Era num refeitório de uma dessas facções que o menino agora se encontrava. Admirou a si mesmo por uns intantes. Mãos sujas, os cabelos ruivos-escuros formando uma pequena franja que caia sobre sua testa. No lado esquerdo do peito se encontrava uma pequena placa dourada com o seu nome. Dizia: "Borislav Kalashnikov".

No meio da baderna do refeitório, ele conseguiu encontrar uma mesa com lugares. Muitos lugares. Naquela mesa só um menino sentava. Estava concentrado em alguma brincadeira que envolvia seus dedões. De forma quieta, e até furtiva, Borislav se sentou num banco na frente do garoto. Imediatamente os olhos do menino desviaram de suas mãos, apoiadas na mesa, até o rosto de Borislav. Resmungou alguma coisa no seu dialeto, a qual o menino russo obviamente não entendeu. Após um tempo sem falar nada, Borislav arriscou a língua universal, que aprendera na sua antiga escola:

- Hm... ahm... inglês? Fala inglês?

Um tanto surpreso, o menino revidou:

- Pouco.

- Ahm... meu nome é Borislav. Boris. Boris, entendeu?

- Eu entendi. Eu sou o Zaki. Eu tava te perguntando o por quê de você ter sentado aqui.

- Ahm... - pensou um pouco antes de responder, enquanto olhava em volta. - era um dos lugares com pouca gente e eu queria sentar.

- Ah, então você é novo aqui?

- Sou.

- Isso explica. Ninguém senta comigo. Todo mundo tem medo de mim.

- Por que?

- Por que eu sou bom em matar gente. Mas eu também cuido das pessoas, mas muitas vezes se esquecem disso. Às vezes o pessoal me chama de Zaci.

- E o que que é "Zaci"?

- "Pai de todos".

- Ah... - Boris pensou um pouco antes de falar. - A gente chama isso de "Deus", daonde eu venho.

- E o que é isso?

- Eu te explico.

---

O maior agente de transformação e mutação, responsável pela alquimia do mundo e do universo, sempre foi e sempre será o tempo. Em poucos minutos, naquele refeitório, os garotos se tornaram amigos. Ao longo de dois árduos anos, eles lutaram juntos, treinaram juntos e riram juntos. Eram melhores amigos.

Borislav aprendeu a atirar. Seu corpo franzino, de quando havia chegado, aos poucos tomava uma forma atlética. No começo, tudo o aterrorizava. Matar uma pessoa era um pesadelo. Mas o tempo o fez se acostumar. Cada bala disparada, cada vida tirada, tornava a próxima mais fácil; e logo a ideia de matar, antes tão repugnada, não o incomodava mais. A única coisa que ele sempre carregava em mente eram as famílias que ele destruía. Isso pesava em sua consciência. De fato, ele não era um exímio soldado, e não sabia como, em dois anos, não havia morrido. A maioria das crianças daquele dia do refeitório já não estavam mais com eles. A fome havia levado algumas e a guerra, as outras. Boris sempre fora muito cauteloso e sempre se dedicou muito a aprender a arte de atirar.

Zaki, por sua vez, tinha um instinto natural para aquilo. Saía da cobertura e corria através do campo, atirando e gritando. Nunca haviam acertado ele. Era imortal. Mas tinha um bom coração. Toda vez que um menino precisava de ajuda, Zaki prontamente ajudava, seja no campo de batalha ou em qualquer outra situação. Era o "pai de todos". Era definitivamente Zaci.

Mas o inevitável aconteceu.

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Tibuana-Seka era uma pequena aldeia pertencente à facção de Borislav e Zaki. Sobre o atual status do conflito, era possível dizer que a facção dos meninos estava ganhando, e que aquela pequena aldeia, que se localizava em um local-chave do conflito, era um alvo em potencial do inimigo.

Em uma manhã comum de um dia qualquer, um grupo de dez meninos e quatro adultos foram mandados para guardar a aldeia. Entre eles a dupla de meninos se encontrava. Boris e Zaki foram postos lado-a-lado e tinham vista para o oeste, para uma grande planície verde. Entre eles e a planície estava um pequeno muro de pouco menos de um metro de altura que podia ser usado como cobertura. Naquele dia, Zaki estava estranho e Boris estava preocupado com isso. Nunca vira seu amigo preocupado com um conflito. Os olhos daquele se encontravam fixos na planície. Ambos sabiam que um ataque poderia ser devastador já que o inimigo não pouparia esforços para dominar a pequena aldeia e que aquela mureta a sua frente não seria uma cobertura muito efetiva.

Borislav tentava analisar o rosto de Zaki, fixo na planície, quando este se jogou pro lado e gritou "cuidado!". Uma bala cruzou o ar e acertou na parede que ficava logo atrás deles. O menino russo, que havia se atirado no chão também, se arriscou a olhar por cima do muro e o que viu o fez arrepiar-se. Cerca de quarenta homens e alguns cães agora avançavam pela planície na direção dos garotos. Borislav se apoiou, sentado, no muro que dava pro aberto e via a chuva de balas rasgarem o céu acima dele e cravejarem a parede a sua frente. Todo o seu grupo, agora, se encontrava na murada e atirando por cima da cobertura. Um-a-um, seus companheiros foram caindo.

Quando poucos restavam, para a surpresa de Borislav, Zaki pulou o muro. Avançou contra o grupo de apenas trinta homens, agora. Conseguiu atirar em cinco. Quando se encontrava a uns dez metros do muro de onde pulou, uma bala o acertou, no ombro. E outra, pouco acima do umbigo. E outra. E mais outra. Os homens que restavam concentraram seu fogo no garoto e logo seu corpo fora destruído por inúmeros e impiedosos projéteis.

Lá fora, o mundo estava acabando. Guerras e mais guerras. Lá fora era o fim, mas dentro, dentro de Boris, alguma coisa estava começando. Enquanto o resto de sua inocência agonizava e lentamente morria, uma força sem nome, dó, e piedade tomava Borislav. Da mesma forma que o tempo tudo transforma, a guerra atua na mesma maneira. Em meio a tantas mortes e a tantos tiros, o menino se tornara surdo. Não mais podia ouvir o sopro de vida sussurrar em seus ouvidos. Jamais notou, mas sua expressão facial nunca mais fora a mesma.

Pulou o muro e começou a atirar.

Das trinta balas que o pente de sua arma guardava, todas acertaram um alvo. Logo, a planície verde era tingida por tons de vermelho.

Recarrega

Parado em meio aos corpos de homens que tinham pais, mães, esposas, talvez filhos, ele admirou o mundo a sua volta. Contemplou o que havia se tornado.

Olhou para os poucos adultos de sua facção, os mesmos que obrigavam meninos a lutar em guerras, e sentiu sua raiva reprimida se soltando. Mirou nos quatro homens e os executou com perfeição. Quando não se tem apego algum pela vida humana, matar se torna mais fácil e, de certo modo, mais prazeroso.

Observou o local deserto. Se manteve no meio da planície vermelha. Não era mais humano.

Era guerra.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Ás

Capacete limpo e lustrado em mãos, mente pesada, corpo vazio e espírito morto, o Ás observava aquilo que a tempos fora seu maior companheiro. Apesar dele sempre ter estado lá, poucas foram as vezes que ele parou para admirá-lo. Encostou de leve sua cabeça em seu companheiro veterano.

- Aí está você! Vamos lá, precisamos de ti lá em cima!

- Eu não vou. Eu to fora.

- Como assim tá fora?

- Eu to fora.

- Mas, Ás e teus sonhos? Sonhava em voar e voou. Sonhava em ter asas e as tem! O que aconteceu com teu sonho de ser herói?

O capacete foi posto no chão. Laços eternos sendo destruídos. Deixando o lugar, Ás olhou para trás e disse:

- Desculpe, velho amigo, - suspirou e voltou a falar - mas eu não sonho, mais.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O Idiota Imortal

Sem mais nada a fazer, decidi escrever esse texto. Ele é, como o título sugere, sobre mim mesmo.

Bom, eu sou uma pessoa de personalidade forte, às vezes intolerante com relação à algumas pessoas. Me considero, modéstia à parte, uma pessoa inteligente.

Tenho ambições e meu modo de enxergar o mundo é diferente das outras pessoas. Eu costumo dizer que enxergo o mundo sem toda a "disney" que existe nele. Frequentemente, quando me perguntar algo sobre o mundo e vou te dar minha opinião fria e sincera. Vejo o mundo como ele realmente é e tenho poucas esperanças de que ele vá mudar.

Eu penso grande. Desejo muitas coisas.

Eu sou um idiota egocêntrico que sabe que é só mais um no mundo, mas isso não vai me impedir de nada.

Eu sonho, apenas sonho( e por isso, tenho poucas esperanças), em mudar o mundo de alguma forma. Pode parecer que eu tenho um lado maligno quando digo que gostaria de ter poder em minhas mãos. Eu penso diferente. Quando digo que gostaria de ter o poder de um ditador absolutista, pessoas logo ligam isso às perversidades cometidas por antigos ditadores.

Mas isso é mal uso de poder, creio. Gostaria de ter esse poder em minhas mãos para mostrar ao mundo que o poder corrompe os que já são corruptos. Quero melhorar o mundo.

Posso ser um sonhador, mas eu tenho meus objetivos e eu não vou parar por qualquer coisa.

Meu objetivo com esse blog é mostrar às pessoas o meu modo de pensar. Fazer meus ideais serem aceitos, ou pelo menos vistos. Dessa forma, uma pequena parte dos meus pensamentos fica com meus leitores. Pretendo fazer isso com todo mundo, um dia, talvez. Para que, mesmo que meu corpo padeça, meu espírito continue a viver. É a minha imortalidade.

Bom, basicamente é isso sobre mim.

Um idiota que sonha melhorar o mundo. Um idiota imortal.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Círculo Fechado

"É isso aí. Círculo fechado. É a hora. Fim de jogo. Mas interessa mesmo, tudo isso? Eu sou o bandido, o maldito mal. Mas todos aqui se esqueceram de uma coisa:

Eu sou o MALDITO MAL NECESSÁRIO!

Todos vocês que apontam agora suas armas para mim se esquecem que não teriam pra quem apontar se não fosse por pessoas como eu. E eu não sou assim tão ruim.

Como é? Eu sou o pior tipo de pessoa que existe? Tipo de pessoa que 'só quer ver o mundo pegar fogo'? Bom, pode até ser que eu seja esse tipo de pessoa. Mas é o meu tipo de pessoa que também apaga esse tipo de fogo. E eu não sou o pior. VOCÊS são os piores! Enquanto o meu tipo age, o tipo de vocês permanece estagnado, assistindo o mundo pegar fogo sem sequer mover um músculo, sem sequer tentar fazer algo. Vivendo a vida, já que o assunto não envolve vocês.

Mas estão errados. O assunto envove vocês, sim. Todos vocês.

Mas cá aqui estamos! Ao meu possível fim, cavalheiros e, quem sabe, damas!

Prestes a se tornarem heróis. Mas o mundo precisa dos heróis? Tanto quanto de mim. Sem eu não haveria heróis. O que estou tentando dizer é que não haverá paz se não haver guerra. Ambas precisam co-existir.

Se eu não existisse, outra pessoa estaria aqui. Alguém precisa ser o mal. Se a sociedade não me encontrasse, encontraria outro. Vocês vão ver! Dia ou outro, vai ser 'cão come cão'.

Então, que venha! Melhor aqui e por uma bala do que na cama e por alguma doença!

Vamos, atira quem quiser ser o herói!

Vamo, atira!

ATIRA!"

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Surreal

E depois de vários devaneios durante esta noite, muitos provindos do blog do meu xará (pra quem quiser conferir, é: http://sequelasdopensamento.blogspot.com/ ), vim a me perguntar: o que é real?

Antes do leitor perguntar se estou drogado, devo dizer que estou meio extasiado, hoje, por motivos que eu nem sei. Sem falar que estou sobre o forte encanto do sono (eu ia dizer: "sobre o forte encanto de Morpheus", mas isso seria simplesmente estranho).

Enfim, voltando ao tema: real. No sentido de existir, não no sentido de grana.

Segundo o dicionário:

Re-al: adj. Que tem existência verdadeira, e não imaginária: a vida real. Relativo ou pertecente ao rei ou à realeza: dignidade real, palácio real. S.m. Antiga moeda portuguesa e brasileira. Aquilo que existe efetivamente, que não é fictício; realidade. Unidade do sistema monetário brasileiro, que entrou em vigor em julho de 1994. (Símb.: R$).

Sem comentários com relação ao sistema monetário. Enfim, pela prória definição de "real" é possível dizer que Deus não é real, mas eu não estou me sentindo radical hoje. Dessa forma, apresento a vocês um contra-argumento.

SIM! Você me verá dizendo que Deus é real!

Indo além do significado do dicionário e indo pro significado filosófico, aquele que toca a natureza enigmática(e enlouquecedora!) da palavra "real". Real seria tudo aquilo em que um indivíduo acredita. Dessa mesma forma, pode-se considerar real o modo como a pessoa vê outras e o mundo ao seu redor. Sendo assim, pode-se considerar Deus real.

Um exemplo: Deus é real para um crente. O amante é fiel para quem ama. Essas duas coisas podem muito bem não ser reais e ainda assim são consideradas verídicas por quem tem fé.

Resumindo: tudo o que, para você, existe é real até que se prove o contrário.

Resumindo o resumo: acredite no que quiser que não deixará de ser verdade.

Resumindo o resumo do resumo: acredite no que quiser!


E quanto a Deus: que fique claro que eu ainda sou ateu. Deus é um assunto que não pretendo debater no "real", talvez na "existência".

sábado, 8 de maio de 2010

A Sina dos Quatro

Não é sobre o assassinato. O roubo. O dinheiro.

A fama, glória, vitória, revanche, vingança, vendetta, pseudo-justiça.

Não é sobre sua raça, etnia, seu sexo, a conquista. Seu temperamento.

A morte vingada, a vida tirada.

Não é sobre o sangue, as armas, as almas, a guerra. Seu bom-humor.

Mentes enlouquecidas, famílias destruídas.

Não é sobre a falta, a vontade, a busca, a esperança, a fome. Sua fé.

O grito nunca ouvido, o tiro retido.

Não é sobre a navalha, a faca, o prazer, a morte. Sua insanidade.

O caos e a ordem.

É sobre... mandar a mensagem certa.

É isso o que, talvez, ninguém entenda. Algumas pessoas simplesmente querem melhorar o mundo. À sua maneira.

Sem vilões, sem heróis. Apenas pontos-de-vistas diferentes.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

A Casa de Cartas

Nós não vivemos muito tempo. De fato, tenho 17, quase 18 anos e não vi muita coisa passar.

Durante todos os segundos, minutos, horas e dias da nossa vida nós montamos um castelo.

Um castelo com muralhas altas e fortes. Capazes de repelir todas as investidas e ataques inimigos. O castelo é uma imensa fortaleza, um porto-seguro para nós mesmos. Um lugar para onde podemos viajar quando quisermos. E lá é bom. Lá é seguro.

Lá é o melhor lugar do mundo! Todo mundo te compreende, já que não existe ninguém lá além de ti. É um lugar feliz e alegre, já que foi tu mesmo que construiu.

Mas ele foi feito com teus pensamentos, tuas ideias e expectativas.

No momento que alguém te mostra a realidade, ele desaba.

Não existe pote-de-ouro no fim do arco-íris. E só quem é tolo o suficiente para perseguí-lo descobre isso.

E no fim, as estruturas, os pilares, todos abalados, cedem. Cedem ao impacto que aquilo tudo tem em ti e, vagarosamente, o castelo desaba.

E você percebe que nunca foi um castelo. Era uma casa de cartas.

E quando uma foi retirada, a estrutura toda foi comprometida.

sábado, 1 de maio de 2010

Malice in Wonderland

"Aos trambiques, o mundo se vai..." cochichou baixo para si mesmo.

Wonderland era um lugar que muitos consideravam o melhor lugar da Terra.

Era um enorme - e clássico! - parque de diversões. Havia roda-gigante, carrossel, montanhas-russas, algodão doce e tudo o que qualquer bom parque deveria ter. Pensando assim, não era tão diferente de outros parques. Mas Wonderland tinha algo especial. Alguma coisa naquele lugar parecia deixar qualquer um que chegasse ali alegre. Era contagiante. A aura de felicidade do lugar afetava a todos ao ponto de que ninguém ali dentro deixava de sorrir e de se divertir.

Sorrindo também estava a misteriosa e excêntrica - e de uma índole questionável - figura que estava parada em frente ao portão principal do parque. Toda a alegria do parque parecia não o afetar. Por de baixo das abas de seu largo chapéu cartola, deu uma boa observada nos arredores. Ajeitou seu encardido paletó e, com passos largos e andar desengonçado, fazia seu caminho até a praça central do parque. Era lá que muitos vendedores se reuniam, onde as pessoas mais andavam e se encontravam. Lá, também, se encontrava uma caixa.

Ah, a caixa! Ela não era uma caixa especial, era pequena e de madeira. Sobre ela estava estendida uma toalinha azul, e sempre havia alguém fazendo apostas atrás dela. Apostas do tipo "adivinhe que carta é após eu embaralhar as três!" e algumas variantes dessa mesma brincadeira, algumas com bolinhas e copos.

Quando a figura chegou ao centro, outra pessoa ocupava a caixa, com um pequeno número de pessoas em volta. Se aproximou e esperou uma chance de conversar com o Ocupante.

- Com licença? Poderia, se não for muito incômodo, ceder-me seu lugar? Há muito espero por este dia!

O Ocupante gargalhou alto, seguido pelas pessoas ao redor. A figurava não se deixava intimidar.

- Façamos assim: - agarrou seu baralho de cartas - eu vou tirar uma carta daqui desse bolo. Se você acertar, você fica com meu lugar!

- Que assim seja, então.

O Ocupante embaralhou cautelosamente seu baralho e tirou, do meio das 52, uma. "5 de paus. Ha! Impossível o esperto acertar!". O desafiante pensou durante um certo tempo. Pediu para tocar a carta, virada. Sem alguma malícia, o Ocupante deixou. Virou a carta para ele, novamente sem mostrar a ninguém e viu que ainda era um 5 de paus. E, por fim, aguardou ansioso a resposta do desafiante.

- Ou muito me engano, ou é uma rainha de copas!

Com um sorriso largo, o enganador virou a carta sem a ver.

- Perdeste então, malandro?

- Não mesmo, ao que me parece!

A carta virada sobre a mesa não era nada além da já prevista pelo malandro. Nada mais, nada menos, nada além. Prontamente o povo ali reunido aplaudiu. O Ocupante, derrotado, recolheu suas coisas e desapareceu em meio a massa de pessoas no parque. Calmamente, o malandro se sentou no banco e estendeu as cartas. Hoje faria algum dinheiro. Um "dinheiro" considerável. Mas antes, o aquecimento!

Pouco-a-pouco as pessoas vinham. Algumas ganhavam, outras perdiam. Em sua maioria, perdiam.

Até que que surge uma garota. Não era pouco velha, nem muito nova. Seu olhar denunciava ser esperta como uma raposa. Apostou pouco dinheiro e perdeu. Naturalmente, não se conteve.

- Trapaceiro!

O acusado, que já estava embaralhando as cartas, parou e, com o canto dos olhos, encarou a garota. Nada disse e, calmamente, se levantou e recolheu suas coisas. Andava através dos caminhos agitados do parque, e percebeu que a garota ainda o seguia. Se virou de modo brusco e inesperado, assustando a garota.

- Mas será possível?

- Só paro de te seguir quando tiver meu dinheiro de volta!

- Garota, vivo de golpes. Quer ouvir uma historinha? Óbvio que quer. Nasci muito pobre. Meu pai tinha uma venda de chapéus. Era o suficiente pra sustentar nossa pequena família. Eu estava destinado a, como ele, ser um chapeleiro também. Mas o destino tem, também, seus golpes.

"Um dia, chega à venda um homem. Trazia uma proposta para meu pai. Tratava-se de um investimento. Meu pai emprestaria, ao homem, dinheiro e este multiplicaria o dinheiro e daria ao investidor sua parcela. Não preciso dizer que era, evidentemente, um golpe. Um golpe em que meu pai caiu direitinho. Nunca mais vi aquele homem. Perdemos tudo. E eu cresci para me tornar exatamente como o homem que arruinou a vida da minha família, ou até melhor, ou pior dependendo de seu ponto de vista."

- Mas nesse caso, Chapeleiro Malandro, se tornou igual ao homem que arruinou sua vida! E eu ainda quero meu dinheiro, trapaceiro!

- Minha cara...

-... Alícia!

- Minha cara Alícia! Por que achas que, na Roma Antiga, nenhum cidadão apontava a loucura dos imperadores-ditadores?

- Não sei dizer.

- Porque é direito do cidadão dizer que o imperador é louco, mas o imperador contiuaria sendo um imperador e o cidadão continuaria sendo um cidadão. Dessa mesma forma, você ainda é uma idiota e eu ainda sou um trapaceiro que tem o seu dinheiro. Não há como você, sozinha, mudar isso.

Alícia não se deu por conformada. Continuou a seguir o Chapeleiro Malandro através de Wonderland, dessa vez ao seu lado e com o consentimento dele.

Não andaram muito e chegaram a um pequeno e modesto prédio.

- Espere aqui, - disse o Chapeleiro - e te garanto seu dinheiro de volta.

Sentada no degrau da construção, Alícia esperou. Já achava que o Chapeleiro havia fugido por alguma outra saída do prédio quando a porta da frente se escancara. De lá saia a figura excêntrica do Malandro, com uma pose vitoriosa.

- Alícia, minha querida. Acabo de fechar um negócio extraordinário! E aqui está seu dinheiro.

- O que fizeste?

- Acabo de convencer a Rainha a fazer um pequeno investimento!

- Se lhe entendi muito bem, pode ter causado a ruína desse parque tão maravilhoso!

- Pois bem Alícia, para haver um vencedor, alguém tem que ser o perdedor.

E, deixando Alícia para trás, o Chapeleiro andou até a saída, o mesmo portão pelo qual havia entrado. Se virou e deu uma boa olhada no País das Maravilhas que havia destruído. De fato, um pouco de remorso bateu em seu coração. Mas não pararia agora. Já havia lidado com isso uma vez. Ajeitou o chapéu e voltou a andar.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Atlas Aliviado

Atlas era um cara bem legal. Gostava de andar com seus amigos, de ler, de praticar esportes. Mas esse não era o maior traço de Atlas.

O titã era conhecido por seu tamanho imenso, e com sua força poderia aguentar qualquer peso, mesmo em suas costas. E pouco-a-pouco foram pedindo coisas a ele. Eram coisas simples no começo.

"Atlas, pode me levar até lá?"

"Atlas, pode trazer aquilo até mim?"

"Atlas, me dá uma mãozinha?"

E a medida que o tempo passava, os pedidos a Atlas cresciam. Em quantidade e tamanho. Se julgando o cara legal que era, o gigante sucumbia. Atendia aos desejos das pessoas e, principalmente, de seus amigos.

Até que um dia, o titã se viu com o mundo inteiro em seus ombros!

Atlas não se mexia. Até mesmo um gesto de leve com os ombros poderia fazer a Terra despencar. Ficou quieto ali, durante dias e dias.

Um certo dia de sol, uma garotinha de cabelos radiantes se aproximou do titã. Atlas podia ver nos olhos daquele ser que, perto dele, era tão pequenino e singelo um traço de esperteza. De inteligência. Sentiu uma boa impressão vinda da criança. Fazia tempo que ele não conversava e decidiu descontrair-se. Para passar o tempo. Abriu sua enorme boca e começou a falar:

- Ora, ora! Já é algum tempo que não me encontro alguma companhia! Diga-me, pequenina de cabelos dourados, qual teu nome?

A garotinha se conteve por um tempo. Dias. Meses. Todo novo raiar ela vinha visitá-lo, mas nunca falava nada apesar de Atlas sempre puxar conversa com a mesma frase de boas-vindas.

Num fim de tarde, quando o titã se sentia um tanto infeliz e desânimado, a garotinha apareceu como de costume. Olhou pro rosto do gigante e ele olhou de volta. Dessa vez, para a surpresa de Atlas, a garotinha começou a conversa.

- Ora, ora! Mas o que vejo? O persistente gigante está abatido, ou muito me engano?

- Não te enganas, pequenina! O destino tem essa perturbante mania de me incomodar! Logo eu, um ser tão legal e bondoso com os outros me encontro sozinho e perdido.

- Mas bom gigante, não achas que também mereça ser legal e bondoso consigo mesmo?

- É verdade pequenina, mas é assim que os outros querem e eu não os quero bravos comigo. A propósito, boa mocinha, como te chamas?

- Chamam-me Consciência. E se não se importa, agora preciso ir. Está tarde e não posso perder o jantar que minhã mãe passou tanto trabalho para fazer para mim. Até amanhã.

Atlas passou aquela noite inteira pensando no que a pequena sábia havia dito. Procurava achar erros em sua fala, mas não os encontrava. Talvez fossem difíceis de encontrar, talvez não existissem.

No outro dia, Consciência apareceu um pouco mais cedo e pôs-se a ouvir a história de Atlas. Mal terminara de contar e a garotinha começou:

- Mas Atlas, por que carregas a culpa deles?

- Porque são meus amigos, oras!

- Entendo, mas por que carregas a responsabilidade deles?

- Mais uma vez, porque são meus amigos. Entende?

- Não. Não entendo, Atlas.

- Pequenina, vez ou outro temos de fazer sacrifícios em nome dos outros. Mesmo contra a nossa vontade.

A menina que antes parecia confusa agora parecia indignada. Olhava a face gentil do gigante e não via o ser enorme, gentil, generoso que poderia ter sido.

- Mas Atlas, - começou o que seria curto - por que ser amigo de pessoas que pedem para que gaste seu tão precioso tempo com coisas banais e quase pessoais, que deveriam ser delas, como suas culpas e suas responsabilidades? Pessoas aprendem com seus erros. Logo, parte da magia de "aprender" vem de "errar", minha mãe me diz. Tanto culpa quanto responsabilidade nos são necessárias. Por que, então, Atlas, por que te sacrificas tanto?

O titã ouviu atentamente o que Consciência dizia. Escutou cada palavra, com extrema atenção.

Naquele dia, ela voltou pra casa sem se despedir. Não queria atrapalhar o gigante. Já Atlas, passou a noite inteira pensando. Pensava e pensava. No outro dia, quando a garotinha apareceu, Atlas levou seus olhos aos dela. Pensou, acima de tudo, nas palavras que diria naquela hora. Depois de uns segundos, disse:

-Verdade.

E sacudiu os ombros.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Preto

Quando David entrou no apartamento, a única fonte de iluminação que existia ali era a luz do luar.

Lá fora, a lua cheia se mantinha imponente sobre o céu. Rainha cercada de pequenos súditos, suas estrelas. A luz invadia o recinto e parecia saber o que iluminar para dar um tom dramático, porém simples, ao lugar.

David sentiu o peso de seu sobretudo em seus ombros e o tirou. Sentiu que, em sua mão, não era mais tão pesado. O jogou no sofá e se dirigiu à porta do extremo oposto do apartamento. Podia ver a luz se esgueirando ao redor da saída, como se aquele simples pedaço de madeira pudesse conter uma claridade quase que divina.

Abriu a porta sem medo.

O ambiente era regado por uma música agradável. O som parecia dar ao ambiente uma forma, ou se adaptar a ela. Perto da janela havia um homem. Não muito alto, estatura média. Pintava um quadro cantando. David não pode deixar de perceber que, da cabeça aos pés, a figura estava vestida com roupas brancas. Trajes simples, não muito caros. Esse fato preocupou um pouco David.

Com cautela, como se fosse tocar em porcelana, o intruso deu pequenas batidas na porta.

- Senhor?

- Blue moon, you saw me standing alone...

David deu batidas um pouco mais fortes na porta e aumento o tom de sua voz:

- Senhor!

- Without a dream in my heart...

Com um pouco de irritação agora, tentou mais uma vez, mais alto:

- SENHOR!

O homem parou de pintar e, para David, a música parecia ter parado. O pintor sorriu e ofereceu uma das duas poltronas acolchoadas. Sentou na outra e observou o intruso por um tempo. Decidiu começar a falar, já que David não parecia querer começar a conversa.

- Olá, detetive. Você sabe por que está aqui?

O outro homem sentiu o gelo e a incerteza dentro de si se despedaçarem. Aquelas simples palavras do homem de branco eram suaves e o ofereciam hospitalidade.

- Creio que tenha me chamado para investigar algo: alguma pessoa desaparecida; namorada infiel; algum suspeito de algo, como sempre. - David se sentiu mais livre agora, piscou para o homem e continuou - Talvez eu até tenha que prender alguém.

- É verdade, detetive.

- Então o que vai ser? Quem eu vou ter que pegar?

- Eu quero, detetive... que você investigue e arrenje provas contra... - Pareceu ter perdido a palavra que ia falar a seguir, ou simplesmente não a encontrava.

-"Contra"?

- Contra mim! - disse, com um sorriso simples, mas cínico.

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Mãe ignorância, irmã benção e prima dúvida

Ontem eu decidi caminhar pela vizinhança. Sentir um pouco o sol. Faz bem. Do nada, uma cena atraiu minha atenção: duas crianças, brincando no parque. Não havia nada demais mas ambas pareciam felizes.

Talvez, eu estivesse errado. Naquele duro e selvagem mundo, era difícil florescer algo como amizade. Era bonito. Fiquei ali por alguns minutos observando as crianças brincarem, até outras se juntaram. "Talvez, ignorância seja mesmo uma benção". Não foi muito depois dessas palavras que disse "talvez, sobre alguma coisa, eu tenha errado". Fiquei observando por mais alguns segundos e me virei.

Saia andando, quando ouvi um barulho e o som de choro. Uma criança havia batido na outra por algum motivo irracional. Gastei mais algum tempo observando os pais levarem seus filhos embora. Então quando o vazio tomou conta daquele parque sem crianças, resultado de um pequeno caos, eu me virei e segui meu caminho. Afinal das contas, nada é exatamente o que parece. Sorri pra mim mesmo e... gostei daquilo. Gostei de estar certo e preferi ignorar o fato de que, em algum momento, duvidei de mim mesmo.

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David teve uma reação não esperada pelo homem de branco. Ele riu. Perguntou, entre risadas se era uma brincadeira. Quando obteve a calma resposta de que não era, ele parou de rir e olhou, pálido e sério, para o homem. Essa era a reação esperada. O detetive se inclinou e sussurou:

- Sério?

- Tão sério quanto dois mais dois é igual a quatro!

- Mas por quê?

- Porque eu estou cansado! Você vê, não és a primeira pessoa a ouvir isso. Mas tem alguma coisa diferente em você, senhor... David Cameron, certo? Cameron é um bom sobrenome. Conheci um homem com esse sobrenome, uma vez. Cara legal.

- Então, ahm... eu vou ter que te investigar? Te prender?

- Ah, sim! Mas não ache que vai ser fácil, Cameron. Nunca é. Mas eu preparei uma coisa para você. Aqui.

O homem de branco estendeu a David um notebook e uma folha de papel de algum bloquinho de notas. Os únicos dizeres no papel eram: "magnum opus".

O detetive se sentiu confuso. Não entendia bem o que era aquilo e não tinha certeza se iria entender. O homem de branco parecia uma figura bem-humorada, simples. Não parecia ser capaz de matar alguém. Ao menos, não parecia. Sentiu-se curioso, com a necessidade de dizer algo:

- E como você vai me pagar?

- Com dinheiro, é claro.

- E com o perdão da palavra, senhor, mas como ganha dinheiro?

- Eu mato pessoas.

David sentiu-se estranho ao ver aquela pergunta ser respondida de uma forma tão complicada, mas ao mesmo tempo, tão simples. Mas, tomou coragem pra seguir com aquela conversa. De um modo que não deixaria seu medo interferir na conversa. Se seu cliente havia contratado ele, mesmo que para uma investgação um tanto estranha, não podia mostrar alguma hesitação.

- Como assim? - disse o detetive, com um pouco mais de firmeza em sua voz e uma mente um pouco mais lúcida.

- Cameron, enquanto existirem pessoas no mundo, alguém vai querer alguém morto. Pode ter certeza. Ponha duas pessoas desconhecidas em uma sala e logo estarão suspeitando uma da outra e eventualmente traçando planos para destruir uma a outra.

- Eu não acho. Acho que se duas pessoas estiverem em uma sala elas, em primeiro lugar, se uniriam para descobrir o que está acontecendo. A humanidade não é tão auto-destrutiva assim.

- É por isso que te contratei, Cameron. - disse, com um sorriso de satisfação no rosto - Mas entenda, você fala teoria, eu falo prática.

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Liberdade inesperada

Um tempo na prisão fez bem pra mim. É bom passar um tempo relaxando, livre de qualquer distração.

De algum modo, me tornei uma lenda entre os presidiários. Falei com um cara uma vez. Não pode aguentar o que eu disse.

Me pergunto se eu tenho esse tipo de impacto nas pessoas. Se elas me ouvissem, o que aconteceria? Elas se matariam?

Fiquei 5 anos na solitária. Minha nova psiquiatra, que substituia o antigo que tentou me matar, pareceu se maravilhar com o fato de eu ter conseguido sair de lá são. Quando me perguntou como eu havia conseguido, eu simplesmente respondi que todos somos loucos. A diferença é que eu já sabia que era.

A solitária me deu um inesperado sentimento de liberdade. Eu tive tempo para relfetir sobre o mundo a minha volta. É tudo uma grande piada. Nada mais, nada menos. Mas eu não quero que o mundo continue assim. Não quero continuar rindo do planeta. Eu preciso fazer algo para mudar o mundo, dar ao mundo a... liberdade inesperada que eu encontrei aqui.

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15 minutos depois e David tinha o notebook em colo, ali naquela salinha. O homem de branco tinha pego uma garrafa de uísque e estava calmamente bebendo ao lado do detetive.

- Nesse notebook, David, - disse, olhando para a lua através da janela. - tem tudo o que você precisa saber sobre mim. Algumas anotações que fiz ao longo do ano.

- Mas qual é a senha?

- Meu nome.

- Qual é seu nome?

- Por que quer saber? Estás louco?

- Talvez você esteja.

- Todos nós somos um pouco.

David já havia testado várias senhas, incluindo as palavras escritas no bilhete. Não obteve sucesso. Viu que horas eram e decidiu que já era hora de voltar para casa. Voltaria no dia seguinte?

- Não, eu não vou estar aqui.

- Onde vai estar?

- Pondo meu plano em ação. E, por falar nisso, é aí que sua caçada começa. Você vai ter que me encontrar e me prender. Não falhe, Cameron! Estou contando contigo.

David voltou pra casa confuso, naquele dia. Tinha o notebook embaixo dos braços e a nota em sua mente. "Magnum opus, magnum opus..." Qual era o propósito de tudo aquilo? Talvez as perguntas em sua mente, nenhuma a correta. Talvez a própria pergunta não estivesse certa.

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Fiél incredulidade

Eu acredito em nenhum Deus. Nenhum fantasma no céu que dita nossas regras de convivência e de sociedade. Eu tenho, pra isso, dois motivos:

Primeiro:
Como posso acreditar num Deus se há tantas religiões que pregam deuses diferentes? Alguns deuses ditos misericordiosos mas massacram cidades e raças inteiras, outros deuses demandam sacrifícios daquilo que eles mesmos tiveram poder para criar. Eu não entendo.

Segundo:
Olhe ao seu redor. A civilização está cometendo suicídio. Por que eu deveria acreditar em um Deus que não acredita em mim?

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O escritório de David era sua casa. Tinha um quartinho por trás de uma porta, no qual dormia. Estava bagunçado quando seu dono entrou nele. Exatamente como havia deixado. Sentou-se em sua cadeira velha e confortável e começou a pensar na senha, sem tentar. Apertou em um botão escrito "dica" e a frase: "às vezes um cigarro é apenas um cigarro" apareceu. Isso o fez pensar por alguns segundos no homem dizendo "meu nome".

Percebeu o quão simples aquilo era. Digitou "meunome" e o computador se abriu.

Havia todos os tipos de anotações ali, desde a origem do homem de branco até detalhes de seus crimes. Mas não dizia qual seria seu próximo ato, e isso interessava muito mais a Cameron do que suas anotações. Pensou no bilhete.

"Magnum opus". Passou uns 20 minutos investigando a palavra e, lá do fundo de sua mente, retirou uma única e solitária resposta.

Engoliu em seco e correu para o aeroporto.

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Origens

Todos nós temos uma origem, um momento em nossa vida que nascemos novamente para vermos o mundo de uma outra forma. Para uns vem cedo, na vida; outros, tarde. Para um grupo ainda maior, nunca vem.

O meu foi diferente de todos os outros. Eu nasci para um mundo condenado. Eu ainda lembro de tudo e duvido que esqueça.

Estava usando um pijama branco de seda que minha mãe havia me dado. Sua única ilustração era um coração onde o meu ficava. No meio dessa noite, eu ouvi um barulho. Alto e estridente. Acordei para nunca mais dormir como a mesma criança que era. Corri para o quarto de meus pais apenas para ver seus corpos destruidos pelos tiros de uma arma. Na mão do homem cuja face eu jamais vou esquecer.

Ele se virou pra mim com um sorriso simples, mas olhos atentos e debochados. Antes que pudesse apontar a arma pra mim, eu corri e me atirei sobre ele. O derrubei contra o armário. O infeliz bateu a cabeça e ficou desacordado.

Olhei para meus pais, os corpos, pelo menos e percebi o que pouca gente perceberia naquele momento. Nada mais importava. Peguei a arma e atirei contra o peito do assassino de meus pais. Não havia acertado o coração e ele, agora, gemia de dor.

Naquele exato momento eu larguei a arma e enlouqueci. Me joguei sobre o homem no chão. O tiro havia feito um belo estrago em seu peito, mas o coração batia. Comecei então a retalhar o que havia sobrado com minhas próprias mãos.

Como um animal, destrui os pulmões e as costelas daquele que havia me deixado órfão. Cheguei até o coração. Não batia mais. Com um sorriso no rosto eu o ergui ao alto.

Não era como um coração que eu via nos desenhos ou o que estava ilustrado em meu pijama. Era um coração real. Um coração como ele realmente é. Um coração real, não um coração de fantasia. Um coração real.

O esmaguei.

Me levantei e dei uma boa olhada em mim mesmo. Meus braços estavam vermelhos, como se fosse a cor de uma nova raça de violentos seres humanos. Meu pijama, branco, estava manchado também.

Naquele momento eu deixei de ver o mundo como costumava ver. Vi o mundo como quem vê o coração real, não o coracão de fantasia. O mundo então, era branco. E eu via a minha primeira cor traçada naquele mundo em que nada havia sido escrito ou desenhado. A primeira cor que joguei na grande tela era o vermelho, que aos poucos se esvaía ao preto.

Foi naquele momento que renasci.

A partir de então, o mundo era uma grande tela. Um grande branco.

E o que eu queria era torná-lo preto.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Cinza

Nicole acordou, mas manteve seus olhos fechados.

Ela não se lembrava muito bem das coisas. Não se lembrava do que havia acontecido, do porquê dela estar ali onde estava.

Sentada, mãos atadas em suas costas. Vendada. Boca cerrada, pela simples vontade de Nicole de ficar calada. Nada a impedia. Seja lá quem a havia posto naquela situação, não se importava com o silêncio dela. Não custava nada tentar.

- So-socorro!

Suas palavras ecoaram longe, o que a fez perceber que estava em um lugar grande.

- Socorro!

Uma porta se abriu, Nicole parou mais um grito que preparava-se pra sair e virou sua cabeça na direção do barulho que havia escutado.

- Quem está aí?

Ela agora ouvia passos. Passos vindos em sua direção. Quem era? O salvador ou a perdição? A resposta não importava, contanto que ela viesse.

Os passos pararam na frente de Nicole.

- Quem é você?

- Olá, Nicole. Você não sabe quem eu sou, mas eu sei quem você é. E você não é uma boa pessoa, Nicole. Com certeza, não é.

- Mas eu nunca fiz nada de errado!

- Talvez.

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Arquivo de Patrick Felcon, doutor em psiquiatria.
Paciente: X
Gravação #1

-
Eu sou o Dr. Felcon e estou aguardando a chegada de meu paciente. Ahm... ele parece não ter nenhuma identificação e foi acusado de dois crimes de homicídio e tortura. Parece ter confessado mais, mas não houve provas. Ele tem a estatura média, cabelos negros, olhos igualmente pretos. Físico em excelente condições. Não há lesões ou qualquer dano aparente, além de um cicatriz visível em seu pescoço, perto da jugular. Parece gostar da cor branca e... ah, ele chegou.

*Barulho de porta se abrindo, o som evidencia que uma ou duas pessoas carregam outra para dentro e a fazem sentar.*

- Olá. Tem algum nome pelo qual eu possa te chamar?

*Suspiro.*

- West. Pode me chamar de West.

- West? Esse é seu nome?

- Não.

- Ahm... pois bem, West. Como você está?

- Vivo. O senhor?

- Estou bem, bem. Sabe por que está aqui?

- O senhor quer me entender.

- Interessante escolha de palavras, West. Mas eu não quero apenas te "entender" eu quero te fazer melhor.

- Por que?

- Por que esse é o meu trabalho, fazer pessoas como você melhores, mentalmente.

- Melhores mentalmente ou melhores pros padrões da sociedade?

- Vejo que me entende, isso pode facilitar as coisas.

- Eu estou bem, doutor. Se a sociedade não gosta do quão bem estou, ela que venha e me prenda. Ou será que já fizeram isso?

- Vejo que não vai colaborar, certo?

- Acho que posso dizer o mesmo.

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Com a venda retirada, Nicole olhava da cabeça aos pés o seu sequestrador. Não era muito alto, era moreno. Era bonito, até.

- Trabalhou a vida inteira, atropelou pessoas, enganou algumas e mentiu pra mim. Você pode nunca ter cometido algum crime, mas isso não quer dizer que nunca fez alguma coisa errada.

Ele se aproximou um pouco mais do rosto dela. Seus olhos eram quase pretos, tom que nunca antes ela havia visto. Estava assustada.

- Não se importa nem um pouquinho com as pessoas não é? Nem com aquelas ao seu redor. Namora um cara prestes a ganhar um herança milionária. Costuma trair o cara. Nunca teve muitos amigos, não parece se importar. Problemas na faculdade, culpou colega. Acreditaram, expulsaram a pessoa ao invés de ti. Nada bom. Nada bom, mesmo. Você parece ser muito egoísta, pensa apenas em si mesma. Além da conta do que uma pessoa normal faria. Acredito que tenha algum tipo de psicopatia, talvez. O fato é que eu não gosto disso, Nick. Não gosto de você ficar atrapalhando a vida de outros, só se importando com a sua. Se vai passar a vida toda fazendo absolutamente nada, vivendo sua vida como se tivesse sido pré-programada e ainda estragando a vida de outros, é melhor que não viva. Não me leve a mal, Nicole, mas eu gosto disso. Gosto de... "limpar" o planeta de escória como você.

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Arquivo de Patrick Felcon, doutor em psiquiatria.
Paciente: X
Gravação #4

- Aqui é o Dr. Felcon e estou nesse momento prestes a começar mais uma sessão com o paciente sem nome. Acredito que nosso progresso esteja indo muito devagar. Parece ter ideias fixas. Tem uma lábia e uma capacidade de persuasão incríveis. Há alguns dias ele conversou com outro presidiário. O homem parece abalado. Guardo o tema para outra conversa. Ele chegou.

*Barulho de porta, uma única pessoa entra, puxa a cadeira e senta*

- Caro... perdão, como deveria chamá-lo mesmo?

-É Holmes.

- Como o detetive?

- Não... sim, como o detetive.

- Certo. Holmes, hoje vamos falar um pouco mais da sua infância. Como eram seus pais?

*risos*

- Meus pais, doutor? O que você quer saber sobre eles?

- Como eles te tratavam, como era o lugar onde vocês moravam.

- Bom, meus pais sempre me trataram muito bem. Compravam tudo o que eu queria, cuidavam de mim, se preocupavam... ou não. Me tratavam mal. Nem sei como consegui sobreviver.

-Como assim? Não consegue se lembrar direito do seu passado?

- Não é isso, doutor. É que se eu vou ter um passado, eu prefiro que eu possa escolher!

- Por que esse sorriso, agora? Será possível que não vai colaborar?

- Quer colaboração? Certo, doutor, vai haver colaboração. Me pergunte qualquer coisa!

- Ok. Pergunta simples. O que você acha das pessoas?

- Bando de robôs imbecis, não posso confiar neles.

- Acho que entendo o por quê de você achar elas robôs imbecis, já falamos isso em outra sessão, mas por que não confiar neles?

- As pessoas são muito peculiares. Você vê, quem geralmente erra, raramente perdoa. Não interessa quantas vezes você diga "tá tudo bem John, eu entendo" ou "eu te perdoo, Mary". Bem, John e Mary podem muito bem não te perdoar amanhã e no fim, eles estão sozinhos. Nós estamos sozinhos. Não podemos confiar em niguém, ou se confiamos, não podemos errar. Me entende, doutor?

- Me parece que essa pessoa é real.

- Mary era bem real. Pena que está morta agora. Não se preocupe doutor, eu não a matei.

- E o que a matou?

- Morreu quando percebeu o que havia se tornado.

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Nicole acordava cansada. Ao longo de 3 dias, o misterioso sequestrador a manteve com fome. Toda vez que este fazia uma refeição, a fazia na frente dela. A tortura era psicológica. A fome não era. Ouviu o estranho vindo de novo.

- O que você quer agora?

O homem puxou uma cadeira, a mesma que ele usava para comer, e se sentou na frente dela.

- Eu não sei, tenho pensado um pouco sobre você...

Nicole abriu um sorriso débil, mas largo. O fez parecer sinistro. Ela não tinha medo dele. Podia rir dele se soubesse o que ele faria se ela risse. Ele era imprevisível.

- Vai dizer que está apaixonado por mim? Síndrome de Estocolmo às avessas? Me ama?

Ele abriu um pequeno e simples sorriso com o canto da boca. Nicole desfez seu sorriso. A expressão no rosto dele era impassível.

Nicole era bonita. Olhos negros, cabelos castanhos e inteligente. Ela entendia, mas não do mesmo jeito dele.

- Amor é quando seu cérebro decide liberar endorfina quando se está perto de uma pessoa. Quando ele decide que você fará tudo por ela porque é ela com quem você deve copular, continuar a espécie. Não tem magia. Não existe "amor verdadeiro". Só tem o seu instinto animal te fazendo ser um animal. Nunca vai vir um cavaleiro galante te tirar da torre e matar o seu dragão, princesa. Romances assim não existem fora dos livros e dos filmes. Eu estava pensando em te poupar, mas acabei de ter uma ideia melhor. Entendo que sejas muito inteligente e quero por isso aprova.

Dito isso, foi buscar sua comida.

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Arquivo de Patrick Felcon, doutor em psiquiatria.
Paciente: X
Gravação #
9

- Aqui é o Dr. Felcon e eu não sei quanto tempo ainda consigo tratar ele. A maioria das pessoas que eu trato são pessoas que não entendem, pessoa que podem ser controladas dadas as circunstâncias. Ele não. Ele entende tudo perfeitamente. E faz questão de mostrar que não dá a mínima. Ele me assusta. Última semana a polícia precisou dele para algo. Ele voltou feliz. Me pergunto o que fizeram. Também na última semana, a única pessoa com quem ele havia conversado se matou. Coincidência? Eu sei que não. Ele atende por alias correspondentes a psicopatas famosos: Rosemary West, até H. H. Holmes. Eu vou encerrar isso hoje. Aí está ele.

- Olá, doutor.

*Suspiro, doutor tem sua voz alterada*

- Isso termina hoje!

- Vai atirar em mim doutor?

- Você é perigoso demais para estar vivo!

- Qualé, doutor. Abaixa essa arma. Abaixa essa arma e vá se deitar no seu sofá confortável. Ele fica na sua sala de estar em conjunto com sala de janta e cozinha. Tudo muito caro. Seus filhos são adoráveis, doutor. O pequeno até é meio espertinho. Chora pra ganhar atenção. A grandona já é burra feito uma porta. Ela está se envolvendo com drogas, sabia disso doutor?

- CALA A BOCA!

*A porta é aberta, homens entram apressados*

- Então é isso, até o homem mais correto pode se transformar num assassino dadas as circunstâncias? Você é como eu, doutor.

- Argh!

*Bang bang*

- O mais irônico disso é que eu poderia apostar que esses homens sempre deteram o paciente e não o doutor. É até engraçado.

*barulhos, alguém é arrastado. A porta daquele quarto se fecha. Silêncio*

- E você se esqueceu da pergunta mais importante: o porquê de eu gostar de branco.

*Risos*

- Agora que eu estava me divertindo?

Fim das gravações de Patrick Felcon.

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7 dias e Nicole mal sabia como estava viva. Quando ele tirou a sua venda, ela se deparou com um frango assado, no chão. Nada demais, mas parecia um sonho. Do lado dele, havia uma garfo e uma faca. Nicole não pensou duas vezes, se jogou sobre o frango e o devorou com as mãos cruas e humanas. Quando parou de devorar seu prato olhou pra cima e viu se sequestrador, em branco.

- Então é assim, Nicole. Dadas as circunstâncias, até o mais inteligente dos homens pode se tornar um animal.

- Por que? POR QUE FAZES ISSO?

- Por que é necessário. E eu gosto.

- Um dia... - ela agarrou a faca com discrição, não o suficiente pra escapar dos olhos atentos dele - você vai pagar pelo o que faz. Todo mundo paga. Um dia ou outro você vai para a prisão por que quer, por que a prisão é o confessionário de um pecador como você.

Ele a ouvia atentamente, entendia ela e, acima de tudo, sabia que estava certa. Sabia, também, que ela só o queria o distrair e que ela não ia deixar que ele vivesse.

Nicole se levanto e desferiu um golpe de faca a altura do pescoço dele. Passou perto e fez um pequeno corte em seu pescoço. Ele a segurou quando ela tentou um segundo golpe e a desarmou. Jogou ela no chão e parou ali em pé. Olhava pra figura dela, indefesa e fraca no chão. Foi até a porta e a abriu.

- Você está livre.

Nicole não pensou duas vezes, disparou até a porta e deixou seu sequestrador para trás.

Ele se sentou na cadeira que ela estava sentada e começou a rir. Havia pensado, naquele curto tempo, no que ela havia dito. Estava na hora de se confessar. Era um dever, uma promessa que ele tinha com eles mesmo. Ele tinha que fazer isso. Ele tinha que ir pra prisão.

- Ah... - disse, por fim - agora que eu estava me divertindo?

Ficou ali sentado, por horas, até a polícia chegar.