sábado, 1 de maio de 2010

Malice in Wonderland

"Aos trambiques, o mundo se vai..." cochichou baixo para si mesmo.

Wonderland era um lugar que muitos consideravam o melhor lugar da Terra.

Era um enorme - e clássico! - parque de diversões. Havia roda-gigante, carrossel, montanhas-russas, algodão doce e tudo o que qualquer bom parque deveria ter. Pensando assim, não era tão diferente de outros parques. Mas Wonderland tinha algo especial. Alguma coisa naquele lugar parecia deixar qualquer um que chegasse ali alegre. Era contagiante. A aura de felicidade do lugar afetava a todos ao ponto de que ninguém ali dentro deixava de sorrir e de se divertir.

Sorrindo também estava a misteriosa e excêntrica - e de uma índole questionável - figura que estava parada em frente ao portão principal do parque. Toda a alegria do parque parecia não o afetar. Por de baixo das abas de seu largo chapéu cartola, deu uma boa observada nos arredores. Ajeitou seu encardido paletó e, com passos largos e andar desengonçado, fazia seu caminho até a praça central do parque. Era lá que muitos vendedores se reuniam, onde as pessoas mais andavam e se encontravam. Lá, também, se encontrava uma caixa.

Ah, a caixa! Ela não era uma caixa especial, era pequena e de madeira. Sobre ela estava estendida uma toalinha azul, e sempre havia alguém fazendo apostas atrás dela. Apostas do tipo "adivinhe que carta é após eu embaralhar as três!" e algumas variantes dessa mesma brincadeira, algumas com bolinhas e copos.

Quando a figura chegou ao centro, outra pessoa ocupava a caixa, com um pequeno número de pessoas em volta. Se aproximou e esperou uma chance de conversar com o Ocupante.

- Com licença? Poderia, se não for muito incômodo, ceder-me seu lugar? Há muito espero por este dia!

O Ocupante gargalhou alto, seguido pelas pessoas ao redor. A figurava não se deixava intimidar.

- Façamos assim: - agarrou seu baralho de cartas - eu vou tirar uma carta daqui desse bolo. Se você acertar, você fica com meu lugar!

- Que assim seja, então.

O Ocupante embaralhou cautelosamente seu baralho e tirou, do meio das 52, uma. "5 de paus. Ha! Impossível o esperto acertar!". O desafiante pensou durante um certo tempo. Pediu para tocar a carta, virada. Sem alguma malícia, o Ocupante deixou. Virou a carta para ele, novamente sem mostrar a ninguém e viu que ainda era um 5 de paus. E, por fim, aguardou ansioso a resposta do desafiante.

- Ou muito me engano, ou é uma rainha de copas!

Com um sorriso largo, o enganador virou a carta sem a ver.

- Perdeste então, malandro?

- Não mesmo, ao que me parece!

A carta virada sobre a mesa não era nada além da já prevista pelo malandro. Nada mais, nada menos, nada além. Prontamente o povo ali reunido aplaudiu. O Ocupante, derrotado, recolheu suas coisas e desapareceu em meio a massa de pessoas no parque. Calmamente, o malandro se sentou no banco e estendeu as cartas. Hoje faria algum dinheiro. Um "dinheiro" considerável. Mas antes, o aquecimento!

Pouco-a-pouco as pessoas vinham. Algumas ganhavam, outras perdiam. Em sua maioria, perdiam.

Até que que surge uma garota. Não era pouco velha, nem muito nova. Seu olhar denunciava ser esperta como uma raposa. Apostou pouco dinheiro e perdeu. Naturalmente, não se conteve.

- Trapaceiro!

O acusado, que já estava embaralhando as cartas, parou e, com o canto dos olhos, encarou a garota. Nada disse e, calmamente, se levantou e recolheu suas coisas. Andava através dos caminhos agitados do parque, e percebeu que a garota ainda o seguia. Se virou de modo brusco e inesperado, assustando a garota.

- Mas será possível?

- Só paro de te seguir quando tiver meu dinheiro de volta!

- Garota, vivo de golpes. Quer ouvir uma historinha? Óbvio que quer. Nasci muito pobre. Meu pai tinha uma venda de chapéus. Era o suficiente pra sustentar nossa pequena família. Eu estava destinado a, como ele, ser um chapeleiro também. Mas o destino tem, também, seus golpes.

"Um dia, chega à venda um homem. Trazia uma proposta para meu pai. Tratava-se de um investimento. Meu pai emprestaria, ao homem, dinheiro e este multiplicaria o dinheiro e daria ao investidor sua parcela. Não preciso dizer que era, evidentemente, um golpe. Um golpe em que meu pai caiu direitinho. Nunca mais vi aquele homem. Perdemos tudo. E eu cresci para me tornar exatamente como o homem que arruinou a vida da minha família, ou até melhor, ou pior dependendo de seu ponto de vista."

- Mas nesse caso, Chapeleiro Malandro, se tornou igual ao homem que arruinou sua vida! E eu ainda quero meu dinheiro, trapaceiro!

- Minha cara...

-... Alícia!

- Minha cara Alícia! Por que achas que, na Roma Antiga, nenhum cidadão apontava a loucura dos imperadores-ditadores?

- Não sei dizer.

- Porque é direito do cidadão dizer que o imperador é louco, mas o imperador contiuaria sendo um imperador e o cidadão continuaria sendo um cidadão. Dessa mesma forma, você ainda é uma idiota e eu ainda sou um trapaceiro que tem o seu dinheiro. Não há como você, sozinha, mudar isso.

Alícia não se deu por conformada. Continuou a seguir o Chapeleiro Malandro através de Wonderland, dessa vez ao seu lado e com o consentimento dele.

Não andaram muito e chegaram a um pequeno e modesto prédio.

- Espere aqui, - disse o Chapeleiro - e te garanto seu dinheiro de volta.

Sentada no degrau da construção, Alícia esperou. Já achava que o Chapeleiro havia fugido por alguma outra saída do prédio quando a porta da frente se escancara. De lá saia a figura excêntrica do Malandro, com uma pose vitoriosa.

- Alícia, minha querida. Acabo de fechar um negócio extraordinário! E aqui está seu dinheiro.

- O que fizeste?

- Acabo de convencer a Rainha a fazer um pequeno investimento!

- Se lhe entendi muito bem, pode ter causado a ruína desse parque tão maravilhoso!

- Pois bem Alícia, para haver um vencedor, alguém tem que ser o perdedor.

E, deixando Alícia para trás, o Chapeleiro andou até a saída, o mesmo portão pelo qual havia entrado. Se virou e deu uma boa olhada no País das Maravilhas que havia destruído. De fato, um pouco de remorso bateu em seu coração. Mas não pararia agora. Já havia lidado com isso uma vez. Ajeitou o chapéu e voltou a andar.

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