sábado, 7 de maio de 2011

Professor e Sonata

Janela afora podia-se ver um luar, que dava um tom mais azulado a uma noite que podia muito bem ser escura.

Lá em cima, a lua estava envolta em um véu que a dava um tom misterioso, mas igualmente belo, único.

Seus olhos descem do céu e pairam, agora, sobre o jardim do palácio. Em outros tempos, outras eras, o jardim fora calmo, pacífico. Inspirava um tom de harmonia, um tom de sintonia com a natureza que até os lugares menos desbravados não possuíam. Era uma conexão única, e transmitia sua paz a qualquer um que ali passeasse. Toda e cada vez que o vento por ali passasse, tinha o poder de dar a qualquer alma uma sensação de liberdade.

Outros tempos, outras eras. Eras de reis e rainhas, eras que antecediam revoluções e liberdade.

E o Professor havia visto todas elas.

Mas agora, o jardim que o Professor observava, queimava. Mas o som, a sinfonia que ouvia era outra. As chamas dançavam ao ritmo de uma sonata, música que tomava a sala em que ele mesmo se encontrava. A música e o palácio eram de origens e tempos diferentes, mas isso nunca foi problema. Não para alguém como o Professor.

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Então você quer saber mais sobre o Professor, é? Quantos anos você tem? Não é um pouco nova demais pra isso?

É, perguntas. Muitas perguntas. Podemos começar daqui mesmo.

Dizem que o Professor é aquele que guarda a resposta para muitas perguntas. Dizem que ele está aqui desde o começo. Que ele é o Primeiro. Alguns dizem ser o próprio Criador. Ninguém sabe ao certo.

Ninguém tem um registro certo de como é a aparência dele. Falam que se você olhar muito para os olhos dele, pode ver a curva da História em si.

Mas isso são todos, todos boatos... mas o Professor, o Professor existe. E tudo o que já se sabe, tudo o que o ser humano compreende, ele entende.

Tu não sabe o que você está procurando minha jovem... no que está se metendo. Nem é pela idade. 17, 18, 22 anos, não interessa. Nunca se é velho o suficiente pra poder conversar com o Professor.

Dá pra imaginar? Um ser tão velho quanto chão, guardião de toda a sabedoria humana até o momento?

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A Sonata do Luar continua.

As estrelas infinitas e a mãe lua são os únicos enfeites dignos daquele céu, dignos de acompanhar a melodia.

E ele olha para ela. É a primeira vez em anos que ele consegue olhar fixamente para ela por mais que alguns segundos. Tinha dois tons de castanho no cabelo. Um claro, um escuro. Vestido azul num tom esverdeado. Olhos com duas tonalidades também: azul claro e o azul dos mais profundos mares. Estava descalça.

E ele não sabe o que dizer. Anos e anos tendo apenas pequenas visões dela e ele não sabe o que dizer. Então ele avança. Extende sua mão para tocá-la. Tão tangível, tão próximo...

- Professor, não!

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Era um trem qualquer, desses que vão e vêm, e Andie já estava com a passagem na mão. Tinha em mente a promessa que fizera a sua vó, de encontrar o Professor a qualquer custo.

Alguns meses atrás, a avó de Andie revelara um segredo a sua neta: que numa viagem, dessas que a vida nos leva, ela conheceu um homem singular. Era honesto, apesar de afirmar "viver desde sempre", segundo ela. Contara de suas aventuras, da História como se essa fosse sua companheira. E ela pediu para vê-lo uma última vez, mesmo que fosse agora um velho mentiroso e sonhador.

A avó faleceu sem vê-lo. E Andie, insistente, decidira continuar procurando mesmo que fosse para ele simplesmente ver sua lápide.

Seria muito mais fácil se ele tivesse um nome. A jovem o conhecia apenas por "Professor". E mesmo que isso pareça dar uma certa amplitude a sua busca, já havia visto várias menções a um homem sábio através de histórias dos mais antigos. E haviam pessoas, algumas velhas, algumas jovens, que pareciam saber algo a respeito.

Uma vidente, que confessara mentir muitas vezes, jurou-lhe a verdade e contou tudo o que sabia do Professor. Uma vez, ele já fora objeto de seu fascínio, também.

E Andie agora se encontrava na plataforma de trem, pronta para sair daquela cidade. Rumo: Paris, uma viagem que demoraria algumas horas.

Tinha que admitir pra si mesma, estava na hora de desistir. Um homem que não deixa rastros não seria fácil de encontrar, poderia estar em qualquer canto do globo. Mas sua esperança e seu orgulho não a deixavam. Toda vez que aquele pensamento, já recorrente, passava em sua cabeça, ela dizia pra si mesma "só mais a próxima cidade, daí eu paro!". E quantas últimas cidades já se passaram, Andie?

Decidiu entrar logo.

Na cabine em que entrou, já havia alguém. Era um homem, de aparência jovem. Usava um sorriso. Não um desses que a gente guarda no bolso, mas um daqueles que a gente já veste em casa.

Ele a observou brevemente, com o mesmo sorriso, e voltou seus olhos para a janela. Ela tomou seu lugar à sua frente.

Horas de viagem se passaram sem que ele tirasse os olhos da janela. Parecia ver algo, ou, melhor ainda, querer ver algo. De um modo meio desconfortável, ela decide falar algo.

- Ahm... olá.

Ele tira os olhos da janela e, ainda com aquele sorriso persistente, olhava nos olhos dela.

- Qual seu nome? - perguntou.

- Todo mundo me chama de Andie.

- Olá, Andie! Todo mundo me chama de Professor.