quarta-feira, 11 de abril de 2012

Procura-se Emprego 1

- Quem és tu que se aproxima? A Besta do Apocalipse? O Fim-de-Tudo? Seria você o Supremo Senhor da Escuridão, aquele que se levanta e bate contra a existência em si?

- Não sei. Eu acho que não.

- Quem és tu, então?

- Juliano.

- Humano, como puseste fim ao universo? Como um ser ínfimo como você foi capaz de destruir obra tão divina?

- Eu ajustei o despertador pras 7h e 02min.

- Você destruiu o universo ajustando o despertador?

- Eu nunca fui um homem muito inteligente. Já aconteceu antes...

- Mas como?

- Uma vez eu me perdi no caminho até a cozinha e...

- Perdeu-se no caminho até a cozinha e acabou com o universo?

- Eu disse que nunca fui um homem muito inteligente.

domingo, 25 de março de 2012

Eu odeio... discussões

Não sei se é, não sei também se um dia será, do interesse de todos que eu gosto de analisar o comportamento de animais. E cá vamos ao meu favorito, o incrível macaco.

Sim, já escrevi sobre ele. Caso tenhas lido mais que um ou dois textos deste blog, tenho certeza que já passou por um chamado "Eu odeio... os macacos". Pois bem. Vimos então a história dos macacos, mas como bom estudioso que sou, não pude deixar de contemplar algumas particularidades desses símios quixotescos.

Os macacos não merecem coisas boas. Nem um pouco, ou parte, delas. Um desses principais motivos é aquele que eu vou abordar agora: discussões.

Uma verdade universal que poucos conhecem ou entendem é a real natureza das discussões. Macacos não são feitos para ver razão. Eles são feitos para ganhar. Não se entende exatamente o por quê, mas eles não buscam a razão.

De alguma forma, um ímpeto argumento cuja razão se vê ausente vez ou outra é proclamado vitorioso. Nem sempre por um único ser. Muitas vezes, por uma multidão.

Por definição, acho que Verdade tende a ter uma única interpretação, já que a realidade não é ambígua ou multifacetada. A interpretação da Verdade, essa possui muitas e mais algumas definições populares com respeito aos macacos.

E eis outra coisa que eu odeio: não entendem ou sequer se esforçam para entender. Mas isso é assunto para outro ódio súbito.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Autofobia

Cíntia estava tendo um dia ruim, em sua maior parte devido ao fato de que o nome dele ainda era Cíntia. Há uma explicação bem simples para isso: a mãe dele sempre quis ter uma menina, e talvez o fato de ter 3 diferentes problemas neurológicos durante a gravidez não tenha ajudado. Vez ou outra, ele usava o nome que seu pai queria pôr: Tiago. Fora registrado como Cíntia porque, apesar de seu pai ter visto o cartório primeiro, sua mãe era muito mais rápida. Ficou Cíntia, então. Cintiago, poucas vezes.

Se dirigiu ao banheiro, tinha que se arrumar para ir trabalhar. Encarou sua própria careca durante alguns minutos e pôs seu chapéu e o chapéu de seu chapéu. Tinha um raro transtorno que o fazia constantemente querer ser 20cm mais alto, um problema que, segundo especulações, ele dividia com o papa. Vestiu sua melhor e única camisa e saiu para o ponto de ônibus.

No outro lado da cidade, como eles disseram, Cíntia acordava pra um dia que seria ruim, não pelo fato de que seu nome era Cíntia, mas que seu marido ainda não era Jake Gyllenhaal. Ela não sabia aonde havia errado, talvez pelo fato de que ela não conseguia largar de sua adolescência da mesma forma que ela a tinha largado há alguns anos atrás. "Perdedor é quem desiste do que quer", ela resmungava pra si mesma, frase que explicava por que 98% das pessoas que gostariam de ter um unicórnio acabam sendo perdedoras. Vestia-se para o trabalho da mesma forma que pessoas que adoram vender imóveis não o fazem. "Onde está meu príncipe? Onde está meu Dom Quixote?" Cíntia provavelmente nunca leu Dom Quixote.

Pôs sua melhor camisa decotada e, ao perceber que pessoas que confiam nas suas próprias capacidades de venda não precisam de decotes, continuou com ela. De forma quixotesca, quando olhou pela janela que revelava um carro preto de vidros fumês, pensou que aquela seria sua aventura, quem sabe aquela famosa quadrilha que andava à solta. Era hora de ir para a parada de ônibus, podia sonhar mais tarde e é importante lembrar que essa última frase talvez resuma algumas vidas.

No ponto de ônibus de Cíntia/Tiago e Cíntia/Cíntia estavam Cíntia/Tiago e Cíntia/Cíntia. Nunca haviam se falado, não iria ser hoje. Talvez ontem. Chega o ônibus. Ao entrarem, o cobrador não resiste e pergunta "está tudo bem, senhor?" Cintiago se sente ofendido. Como ele ousava? Havia anos que pegava sempre aquele ônibus e era sempre o mesmo cobrador, ele já conhecia ele e seus dois chapéus. Certo que algumas vezes o corte de cabelo mudava, a cor da camisa mudava, o sapato mudava, a cor da pele mudava, o nome mudava, mas o cobrador era sempre o mesmo. Como ousava? Ofendido, ele senta na parte de trás do ônibus.

O cobrador não teve nenhum comentário a fazer sobre Cíntia/Cíntia. Ofendida, ela senta na parte de trás do ônibus.

Entram os homens do carro preto. Em uma ato de violência e insurgência, que apavoraria até o mais bravo dos funcionários públicos, pagam o cobrador com uma nota de cem e se vão para o fim do ônibus. "Cíntia?" um dos homens misteriosos dizem. "Sim?" respondem os dois. "Não, o senhor com dois chapéus." Ofendida, ela vai sentar na parte de frente do ônibus. "Precisamos do senhor." E Cíntia/Tiago não podia recusar à proposta que estavam para lhe fazer.

Hoje, Cíntia/Tiago virou papa por ser a pessoa mais apta que os agentes do Vaticano haviam encontrado e Cíntia/Cíntia largou tudo e casou-se com C. D. Andrade, chefe da quadrilha que mal havia entrado na história.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Lua de Papel

Ao pôr-do-sol, no meio do deserto de uma vida, um deserto onde a areia é cinza e o céu é esbranquiçado, um único ser caminha. Um guerreiro maltrapilho, cansado, anda de forma vagarosa até o horizonte, até o limite do mundo.

Ele pára, observa o lugar que deixou pra trás: um fortim. Mais que um fortim: o seu eu. Ele possuia cores, mas nele havia um conflito.

Uma batalha sangrenta, uma luta eterna. Ele se sente mal por ter deixado todos os que contavam com ele pra trás. Sente que não queria sua partida, mas que era necessária. Aventurava-se pelo deserto do preto e do branco, para fugir de sua responsabilidade.

"Tristeza". Não era areia, era tristeza. Invadia suas grevas e seu escarpe, tornava a manopla e o espaldar desconfortável e o elmo, bem, o elmo não havia. Mesmo que houvesse algo que protegesse a cabeça, não seria páreo para a areia cinza.

E assim, ele anda como se não houvesse amanhã, principalmente porque não havia. Atingiu o seu limite, deixou quem conhecia no fortim, e enfim chega ao limite. Ele olha pra baixo, e, no horizonte, no fim do mundo, só há trevas. Cair para a imensidão do nada. O céu continua. Abre os braços e deixa-se cair.

Caindo na escuridão, aos poucos não vê mais nada. E o escuro entra por debaixo de sua pele, cava-se em suas veias, percorre tudo até chegar seu coração. Um fato peculiar sobre as coisas é que nas horas mais sombrias, quando vê-se o absoluto lado negro, qualquer ponto de luz é capaz de furar o véu escuro.

E para aqueles que puderam erguer suas cabeças naquela noite, quando olharam pra escuridão acima e viram o manto estrelado e a lua frágil, entenderam perfeitamente o que eram.

Esperança, a mais fraca em intensidade porém mais persistente em durabilidade, rompe o lacre e faz mais um dia nascer. O guerreiro, agora com um sorriso no rosto, vê ao longe a batalha que deixara e decide mais uma vez travá-la.

E essa é a história dos nossos sóis mentirosos e das nossas luas de papel.

sábado, 18 de junho de 2011

Obres

N:
Meu caro vagabundo
Faça-se um favor
Veja-se moribundo!
Mundo não guarda rancor

P:
Meu amigo rico
Por maior que seja o esplendor
em tua presença, aqui fico
Por menor que seja meu valor

N:
Ó fim
Enfim
Vim
Por fim
Por mim
Pobre querubim
Por que cuidas tão bem de teu jardim?

P:
No fim
O Jardim
Faz parte de mim
Trato-o como trato a mim
E todos ficamos bem assim

N:
Tão insignificante
Tão persistente
Tão Irritante
Tão insolente

P:
Tão ignorante
(Tão agonizante)
Tão arrogante
(Tão humilhante)

N:
Vulgo eu
Que tudo tenho
Tudo que Deus me deu
Tudo que agora detenho

P:
Já tudo que possuo
Vem do suor de meu cenho
Tudo que toco, perpetuo
Beijo a tudo que obtenho

N:
Sou rei
Nobre alma
E erguerei
Com calma
Minha imagem
Imponente
Carceragem
D'uma mente.

P:
Sou ninguém
Pobre coração
De Alguém
Tão bufão
Valor zero
Apenas um mero
Humano esmero

Dinheiro compra fins,
enfins e estopins,
mas não compra dignidade,
e valiosa humanidade

Sou ninguém
Mas tudo que me é preciso
Tenho
Um alguém
Feito pra ser um indeciso
Desenho
Da sombra do tempo
Da corrente de teu olhar
Réles passatempo
Barco de papel ao mar

Tudo que é eu
É tudo que quer ser
Pena não saber
Pena temer
Fugir d'um breu

Me despreza
Me ignora
Mas ainda há alma que reza
Alma que me adora

Te garanto
Posso não ser santo
Posso não saber o quanto
Posso não saber o portanto
Mas porquanto
Sou feliz
Completo, sim
Um aprendiz
Repleto, assim

sábado, 7 de maio de 2011

Professor e Sonata

Janela afora podia-se ver um luar, que dava um tom mais azulado a uma noite que podia muito bem ser escura.

Lá em cima, a lua estava envolta em um véu que a dava um tom misterioso, mas igualmente belo, único.

Seus olhos descem do céu e pairam, agora, sobre o jardim do palácio. Em outros tempos, outras eras, o jardim fora calmo, pacífico. Inspirava um tom de harmonia, um tom de sintonia com a natureza que até os lugares menos desbravados não possuíam. Era uma conexão única, e transmitia sua paz a qualquer um que ali passeasse. Toda e cada vez que o vento por ali passasse, tinha o poder de dar a qualquer alma uma sensação de liberdade.

Outros tempos, outras eras. Eras de reis e rainhas, eras que antecediam revoluções e liberdade.

E o Professor havia visto todas elas.

Mas agora, o jardim que o Professor observava, queimava. Mas o som, a sinfonia que ouvia era outra. As chamas dançavam ao ritmo de uma sonata, música que tomava a sala em que ele mesmo se encontrava. A música e o palácio eram de origens e tempos diferentes, mas isso nunca foi problema. Não para alguém como o Professor.

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Então você quer saber mais sobre o Professor, é? Quantos anos você tem? Não é um pouco nova demais pra isso?

É, perguntas. Muitas perguntas. Podemos começar daqui mesmo.

Dizem que o Professor é aquele que guarda a resposta para muitas perguntas. Dizem que ele está aqui desde o começo. Que ele é o Primeiro. Alguns dizem ser o próprio Criador. Ninguém sabe ao certo.

Ninguém tem um registro certo de como é a aparência dele. Falam que se você olhar muito para os olhos dele, pode ver a curva da História em si.

Mas isso são todos, todos boatos... mas o Professor, o Professor existe. E tudo o que já se sabe, tudo o que o ser humano compreende, ele entende.

Tu não sabe o que você está procurando minha jovem... no que está se metendo. Nem é pela idade. 17, 18, 22 anos, não interessa. Nunca se é velho o suficiente pra poder conversar com o Professor.

Dá pra imaginar? Um ser tão velho quanto chão, guardião de toda a sabedoria humana até o momento?

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A Sonata do Luar continua.

As estrelas infinitas e a mãe lua são os únicos enfeites dignos daquele céu, dignos de acompanhar a melodia.

E ele olha para ela. É a primeira vez em anos que ele consegue olhar fixamente para ela por mais que alguns segundos. Tinha dois tons de castanho no cabelo. Um claro, um escuro. Vestido azul num tom esverdeado. Olhos com duas tonalidades também: azul claro e o azul dos mais profundos mares. Estava descalça.

E ele não sabe o que dizer. Anos e anos tendo apenas pequenas visões dela e ele não sabe o que dizer. Então ele avança. Extende sua mão para tocá-la. Tão tangível, tão próximo...

- Professor, não!

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Era um trem qualquer, desses que vão e vêm, e Andie já estava com a passagem na mão. Tinha em mente a promessa que fizera a sua vó, de encontrar o Professor a qualquer custo.

Alguns meses atrás, a avó de Andie revelara um segredo a sua neta: que numa viagem, dessas que a vida nos leva, ela conheceu um homem singular. Era honesto, apesar de afirmar "viver desde sempre", segundo ela. Contara de suas aventuras, da História como se essa fosse sua companheira. E ela pediu para vê-lo uma última vez, mesmo que fosse agora um velho mentiroso e sonhador.

A avó faleceu sem vê-lo. E Andie, insistente, decidira continuar procurando mesmo que fosse para ele simplesmente ver sua lápide.

Seria muito mais fácil se ele tivesse um nome. A jovem o conhecia apenas por "Professor". E mesmo que isso pareça dar uma certa amplitude a sua busca, já havia visto várias menções a um homem sábio através de histórias dos mais antigos. E haviam pessoas, algumas velhas, algumas jovens, que pareciam saber algo a respeito.

Uma vidente, que confessara mentir muitas vezes, jurou-lhe a verdade e contou tudo o que sabia do Professor. Uma vez, ele já fora objeto de seu fascínio, também.

E Andie agora se encontrava na plataforma de trem, pronta para sair daquela cidade. Rumo: Paris, uma viagem que demoraria algumas horas.

Tinha que admitir pra si mesma, estava na hora de desistir. Um homem que não deixa rastros não seria fácil de encontrar, poderia estar em qualquer canto do globo. Mas sua esperança e seu orgulho não a deixavam. Toda vez que aquele pensamento, já recorrente, passava em sua cabeça, ela dizia pra si mesma "só mais a próxima cidade, daí eu paro!". E quantas últimas cidades já se passaram, Andie?

Decidiu entrar logo.

Na cabine em que entrou, já havia alguém. Era um homem, de aparência jovem. Usava um sorriso. Não um desses que a gente guarda no bolso, mas um daqueles que a gente já veste em casa.

Ele a observou brevemente, com o mesmo sorriso, e voltou seus olhos para a janela. Ela tomou seu lugar à sua frente.

Horas de viagem se passaram sem que ele tirasse os olhos da janela. Parecia ver algo, ou, melhor ainda, querer ver algo. De um modo meio desconfortável, ela decide falar algo.

- Ahm... olá.

Ele tira os olhos da janela e, ainda com aquele sorriso persistente, olhava nos olhos dela.

- Qual seu nome? - perguntou.

- Todo mundo me chama de Andie.

- Olá, Andie! Todo mundo me chama de Professor.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Entropia Caótica Ordenada

Hoje eu fiz uma prova, e decidi contar pra vocês o momento mais importante da prova.

Mas antes, te pergunto: qual o momento mais importante da prova?

O momento que tu recebe e percebe o quão fácil/difícil/impossível será? O momento que você está fazendo a questão e percebe que erro você poderia ter cometido, mas, "ainda bem!", se tocou bem na hora? O momento que tu revisa e já sabe que nota vai tirar?

Não.

O momento mais importante acontece depois que você terminou a prova.

O momento mais importante, sem mais quaisquer delongas ééééééééé: o momento de abrir e fechar a porta, na hora da saída.

"Não acredito que perdi meu tempo/gastei meus olhos pra ler isso".

Aposto que nunca perceberam, mas numa loooonga trajetória de provas, e testes e exames, jamais perceberam o que vocês fazem no ato de abrir e fechar a porta.

Aquele ato, único e singular, pode dizer muitas coisas.

Pode-se medir o quão bem a criatura pensa que fui, com o que ela se importa e et cetera.

Temos do clássico ao novo, ao moderno. Dos sutis aos mais alarmantes.

Há a clássica olhada pro seu amigo, que retribui o olhar e, dependendo do grau de dificuldade da prova, lança um sorriso. Um sorriso sincronizado entre vocês dois. Ambos querem dizer apenas uma coisa: "me ferrei, mas não estou sozinho."

Há também a sutil, mas que nunca me escapa, a clássica "abrir porta, fechar porta, sem olhar pra trás". O sujeito está em outro nível. O sujeito está em um nível a mais. O sujeito passou do limite. Ele sabe o quanto tirou. Ele tem certeza. A única certeza que tem na sua vida foi o resultado dessa prova e pouca coisa importava além disso.

Bater a porta mostra apenas o quanto você se odeia.

Mas, uma das mais discretas, mais sutis é olhar pra quem você se importa. É uma experiência reveladora.

Mas o ponto inteiro disso, como você pode não-notar, é que pequenos detalhes falam alto.

São eles que, de natureza ordenada, mas aparentemente caótica, te influenciam, te movem de algum modo.

Vendedores aplicam uma técnica chamada "pé-na-porta" contigo. Sério.

Exemplo:

- Olá senhor, tudo bem com você?

- Sim, estou bem.

- O que o senhor procura?

Mera trivialidade, pra você. Pra você. Muitos vendedores, principalmente os de carros, são treinados para usa a técnica do "pé-na-porta". Sério, é assim que ela é chamada. Consiste em fazer você responder positivamente uma questão, o que te torna mais suscetível a responder as próximas questões da mesma maneira.

Pequenos detalhes estão escondidos em vários pequenos e discretos pedaços do seu cotidiano. Minúsculos pedaços de caos, que nada mais são que uma forma muito simples de ordem. Simples assim.

Minimalisticamente, simples assim.

E feche a porta ao sair.