Dois seres daquela cidade tinham seus destinos cruzados.
Quando criança, Carvalho cresceu numa propriedade numa parte mais rural da cidade. Tinha boas memórias dos tempos em que podia passar o dia brincando nos vastos campos ensolarados, ou pulando poças d'água na estrada que ficava na frente de casa. Mas as melhores memórias ele dividia com outro Carvalho. Esse último, erguia-se altivo e magnificiente perto da casa do primeiro. O pequeno Carvalho lembrava-se dos tempos que passara pulando, correndo em volta do grande Carvalho.
Vivia sempre com a cabeça nas nuvens. Falava sozinho, com coisas e pessoas que não existiam. Falava comigo, às vezes.
Agora, o Carvalho estava na cidade. Sereno e calmo como sempre foi.
Caminhava de forma descompassada, arritmada. Corria, pulava, cortava caminho entre a multidão da mesma forma como fizera em algum momento de sua vida.
Chegou, deu oi pra recepcionista, elevador. Esperou, ainda com a perna dando pequenas batidas de inquietação no chão. Entrou, finalmente. Recuperou o fôlego. Nesse andar, entra o chefe, que o fará companhia até o décimo sexto andar.
- Relatório pra amanhã, né, Carvalho?
Bons tempos de criança em que podiamos brincar sem nos preocuparmos com relatório algum, certo?
- Certo.
Dito isso, sairam do elevador e Carvalho se encaminhou ao seu cubículo. Encontrara seu amigo, vizinho de cubículo, no meio do caminho.
- Pareca cansado, Carvalho. Vai uma aguinha aí?
Todo carvalho, por maior que seja, precisa de água. Isso inclui você. Vai aceitar esse copo d'água ou não?
- Sim, eu aceito sim.
- Grande Carvalho, sempre na correria, sempre firme e forte na luta! Já nos vemos cara, pode ficar com o copo. Eu tava indo logo ali no almoxarifado buscar algumas coisas, pego água na volta. Se bem que nem precisa, né? Com essa chuva forte, agora, se tá com sede é só abrir a boca!
É, é sim. Lá fora cai o mundo. Carvalho se mantém forte, enfrenta as tempestades e mais qualquer desafio que a natureza o faça. Nada pode derrubá-lo, pelo menos é o que ele pensa.
Senta em seu cubículo, faz seu relatório, pensa na vida. Se lembra daqueles tempos de infância, águas passadas que não mais movem moinhos?
- Bons tempos... - falou baixo e com um sorriso em sua face. Mas não importa. O Carvalho não importa. Nada disso importa, mais.
Nada mais importa porque Carvalho foi acertado por um raio, enquanto pensava em possibilidades impossíveis e se erguia forte e imponente perante a uma cidade que não se importa mais com Carvalhos.
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