sábado, 19 de fevereiro de 2011

Anticidadão Dois

Para todos que vissem tudo a alguns metros do chão, o que podia-se ver era uma bela metrópole. As construções não mantinham o aspecto sujo do cinza, mas a simplicidade e beleza do branco. O pôr-do-sol pintava um laranja suave em tudo o que tocava.

Lá embaixo, nas ruas, a revolução havia começado.

A derrubada da autocracia, a derrocada da tirania. Um curto império que sucumbia ao povo.

Antes uniformizados, todos deram um jeito. Da vestimenta puramente branca, alguns usaram-se de tinta vermelha para pintar um "A" em seus peitos, em suas costas, em suas faces.

Adam não. Adam King não precisava. Havia tirado a camisa, e em suas costas, uma enorme representação do símbolo pairava, feito em sua pele, esculpido em seu corpo, perto do ferimento de uma bala. Estava acompanhado de mais umas quatro pessoas. O fogo supressivo da Guarda pela Ordem da Cidade mantinha os cinco parados e inertes.

Os Guardas, com suas armas melhores e seus trajes mais robustos mantinham facilmente eles em posição enquanto avançavam a certo passo.

Mas Adam não queria morrer. Ele tinha ela em mente. "É sempre por uma 'ela' que acontecem as maiores idiotices", a própria havia dito isso pra ele. Ele fechou os olhos e esperou o inevitável acontecer.

Cessar fogo. Foi o que todos ouviram.

O Capitão da Guarda, no auge dos seus cinquenta anos, abriu caminho por entre o pequeno grupo e dirigiu a palavra aos cinco que estavam sob cobertura. Tantos outros manifestantes em tantos outros lugares, e o Capitão Louis veio logo ao encontro deles.

Adam sabia que era por causa dele. Era por causa do pacote que tinha que entregar na prisão. Era um recado simples. Era uma sequência de três números.

- Adam. - disse a voz grave.

Já ouviu uma breve história do Capitão, antes. Sobre sua infância.

Cautelosamente andando, Adam caminhava até o revólver que o Capitão da Guarda havia chutado até poucos metros daquilo que garantia a segurança do revolucionário.

- Eu soube que és rápido, King.

Pistoleiro contra pistoleiro, o cenário se desmonta.

- Se viver, meus homens aqui presentes te acompanharão até a prisão e lhe garatirão segurança e discrição até lá. Se viver, é claro.

King, o pistoleiro, olhou para os olhos de seu oponente. Eram olhos piedosos, honestos. Eram olhos claro que diziam qual seria o resultado daquele confronto. O Capitão já sabia o que iria acontecer. Sabia que ia ter o que queria.

Um guarda se posicionou para dar o tiro que faria com que o fim começasse.

Ambos se prepararam. O dedos de Adam coçavam, acariciavam o ar em torno do revólver.

BANG!

Bang.

O cenário volta à metrópole.

Sentiu as pernas fracas, se ajoelhou. Levou a mão ao peito. Olhou para a face de seu oponente e, silenciosamente, agradeceu.

Adam ergueu a cabeça e observou a cidade que havia ficado quieta para ouvir aquele tiro. Não ouvia mais nada. O Capitão agora fechou seus olhos e se deitou no chão. Se virou para olhar pro céu.

Se perguntou o que havia acontecido em tão pouco tempo. Era um paraíso anárquico e tecnológico, que logo virou uma tirania absolutista com a chegada de um homem e sua ambição. Ambição que corrompeu e destruiu os pilares daquela sociedade tão utopicamente real que era quase impossível de se acreditar. Não estava de acordo com aquilo. Viu que a coisa mais importante que fez em vida foi morrer ali. E percebeu como isso era bom.

2 comentários:

  1. Ahn que lindo! O tom com que tu escreve é perfeito pra esse tipo de história, muito bom ^^

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  2. Vou falar como um artista falaria: as cores do teu texto são apropriadíssimas, e a história em si faz com que eu queira ler o resto, se houver. E o melhor, é que funciona como um conto mesmo que não tenha um "resto" por vir...

    (tá, um artista não, talvez um crítico de arte)

    Gostei bastante também do texto anterior ao anterior, o do apelo.

    Está numa fase bem anti-massas, né? Tem que fazer como o Nietzsche: "é preciso ser superior à humanidade pela força, pela altura da alma... pelo desprezo". Ainda não sei se concordo, mas sei que funciona.

    Abraço!

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